2ª Promoção – 2ª Colocada – Rita Capraro: “Perguntava à minha mãe porque eu não havia nascido com ‘cabelo bom'”
sabrinah /Meu nome é Rita de Cassia Capraro da Silva, tenho 18 anos e sou de São Paulo-SP. Minha transição capilar começou no auge da adolescência, com 16 anos, quando, simultaneamente, eu passava por rejeição do meu próprio corpo e pelo ensino médio, o que dificultou muito todo processo.
Alisava meu cabelo desde os dez anos aproximadamente, e como a maioria das meninas crespas, comecei com o relaxamento para ‘abrir os cachos’ (que até hoje me pergunto por que nos dizem isso, se a química alisa nosso cabelo desde a segunda aplicação). Aos 14 anos, quando minha irmã mais velha (na época, 20 anos) passou progressiva, achei que tivesse conhecido o paraíso vendo o cabelo dela tão liso com a nova química, então, depois de insistir muito, me deixaram fazer também.
Era complicado ser uma das poucas meninas crespas na sala no ensino fundamental, que em sua maioria, alisavam o cabelo. Diariamente, ao tentar arruma-lo sozinha, perguntava à minha mãe porque eu não havia nascido com o ‘cabelo bom’, porque eu não podia ir com ele solto ou fazer penteados diferentes a cada dia, ao invés de apenas prendê-lo com tranças?
Na primeira vez que fiz progressiva, o uso me deu alergia devido ao cheiro forte do produto. Tendo dificuldade para respirar e com meu couro cabeludo soltando pedaços enormes de cascas durante dias, minha mãe decidiu que eu voltaria para o relaxamento.
Na primeira vez que fiz progressiva, o uso me deu alergia devido ao cheiro forte do produto. Tendo dificuldade para respirar e com meu couro cabeludo soltando pedaços enormes de cascas durante dias, minha mãe decidiu que eu voltaria para o relaxamento. Assim foi até os 16 (inicio de 2014), quando novamente me interessei por outra progressiva próxima de casa, onde a cabeleireira fez o teste de mecha e não tive nenhuma reação alérgica, e por isso me arrisquei fazendo no cabelo inteiro. Hoje em dia, refletindo sobre essa história com meu cabelo, vejo o quão a sociedade aceita arriscarmos nossa vida para entrarmos no padrão e termos o cabelo liso, porém ainda rejeita de toda forma o cabelo crespo.
Hoje em dia, refletindo sobre essa história com meu cabelo, vejo o quão a sociedade aceita arriscarmos nossa vida para entrarmos no padrão e termos o cabelo liso, porém ainda rejeita de toda forma o cabelo crespo.
A progressiva foi um sucesso, meu cabelo ficou muito liso e estava ótimo, mas, no meio do ano, quando estava chegando o momento de eu refazer a química, pois a raiz estava gritando já, eu comecei a pensar MUITO sobre parar de fazer química e aceitar meu crespo, já que nem me lembrava mais como ele realmente era, e, com ajuda de uma amiga (que foi uma das únicas pessoas a me apoiar a transição inteira), comecei a fiquei pesquisar vários sites e depoimentos sobre isso, além de diversos grupos no facebook, como “Cacheadas em Transição” e “Faça Amor Não Faça Chapinha”, e foi aí que descobri a tão conhecida transição capilar, BC, e outros termos, e estava sendo maravilhoso conhecer esse mundo de mulheres que por diversos motivos haviam deixado de fazer química, e assim, decidi que faria a última progressiva que já estava agendada, e após isso, deixaria de fazer para conhecer minha verdadeira raiz.
Falei que não queria mais passar a química e iria ficar com ele natural. No momento que disse isso, a cabeleireira, que me conhecia desde a infância, insistiu para que eu remarcasse, e quase caí de novo no golpe do relaxamento para ‘abrir os cachos’, porém, mesmo insegura, neguei tudo, e acabei pegando parte do dinheiro de volta e fazendo uma hidratação. A ‘hidratação’ que fiz no dia causou um corte químico muito feio no meu cabelo, e isso dificultou bastante a transição
No dia anterior ao agendado, havia conversado muito com minha irmã sobre a transição e não estava muito segura sobre fazer a química no dia seguinte, mas resolvi ir pois já estava até paga. Saí do serviço correndo para não me atrasar e, chegando ao salão, a cabeleireira me perguntou se eu estava menstruada, e que se estivesse, ela não faria, pois havia acabado de fazer progressiva em uma cliente que passou muito mal devido a isso. Por ‘sorte’ eu estava, e foi neste momento que eu percebi que toda minha reflexão do dia anterior não foi a toa, e na hora (com raiva também, pois as aulas voltavam em uma semana e meu cabelo não estava de agrado), falei que não queria mais passar a química e iria ficar com ele natural. No momento que disse isso, a cabeleireira, que me conhecia desde a infância, insistiu para que eu remarcasse, e quase caí de novo no golpe do relaxamento para ‘abrir os cachos’, porém, mesmo insegura, neguei tudo, e acabei pegando parte do dinheiro de volta e fazendo uma hidratação.
A ‘hidratação’ que fiz no dia causou um corte químico muito feio no meu cabelo, e isso dificultou bastante a transição, porque além da raiz estar muito grande (já indo para 7 meses sem química), a chapinha não segurava, e o rabo de cavalo, que era o penteado mais usado, estava ficando cada vez mais ralo, com meu cabelo quebrando cada vez mais, e assim, passei a usar apenas coque durante todo o resto da transição.
Sobre a transição capilar
Com certeza, essa época foi a mais difícil para mim, o cabelo mexe demais com a autoestima de uma mulher, e como adolescente, parecia que o mundo ia acabar a qualquer hora.
Com certeza, essa época foi a mais difícil para mim, o cabelo mexe demais com a autoestima de uma mulher, e como adolescente, parecia que o mundo ia acabar a qualquer hora. A família me perguntava a todo momento o porque de eu esta fazendo aquilo com meu cabelo, me indicando sempre que possível alguma química ‘mais fraca’. Meus amigos, em parte, me apoiavam, mas não entendiam muito bem o porque parecia ser tão doloroso.
Quando completou um ano de transição, em janeiro de 2015, prestes a iniciar o ano letivo, não aguentava mais as duas texturas na cabeça, e fiquei contra a parede: ou eu fazia o BC e cortava de vez, ou passava alguma química. Depois de muito pensar, vi que não seria justo comigo passar química novamente, já que o objetivo da minha transição era conhecer a mim mesma, então resolvi que cortaria.
Sobre o big chop
Vinham diversas lembranças na mente, de todas às vezes sofrendo passando alisamentos, de todo preconceito sofrido e brincadeiras falando do meu cabelo crespo de forma pejorativa ainda na infância. Mas naquele momento parecia diferente, ou melhor, era diferente, minha mente era diferente, e foi necessária muita conscientização por minha parte para eu entender isso, e principalmente o valor de tudo isso. Não era apenas meu cabelo que estava mudando, mas a Rita como um todo.
Marquei o BC na Garagem dos Cachos para dia 06/02/2015, pois foi o único lugar que me senti confiante para ir, já que próximo de casa não há nenhum salão que tenha especialização em cabelo afro, e aquela amiga que citei no inicio do texto foi junto comigo (até para me dar forças para não resistir). Me lembro que no momento que estava sendo feito o corte me veio um mix de sentimento enormes, como curiosidade, orgulho próprio, medo, e principalmente, liberdade! Vinham diversas lembranças na mente, de todas às vezes sofrendo passando alisamentos, de todo preconceito sofrido e brincadeiras falando do meu cabelo crespo de forma pejorativa ainda na infância. Mas naquele momento parecia diferente, ou melhor, era diferente, minha mente era diferente, e foi necessária muita conscientização por minha parte para eu entender isso, e principalmente o valor de tudo isso. Não era apenas meu cabelo que estava mudando, mas a Rita como um todo.
Acabando o corte, sair na rua foi estranho, parecia que todas as pessoas sabiam que tinha algo diferente em mim, mas na realidade, era eu quem estava vendo todos com outro olhar. Tiveram pessoas na família e amigos que aprovaram, outros, nem tanto assim, mas eu havia me apaixonado por mim, e minha felicidade transbordava.
Mas naquele momento parecia diferente, ou melhor, era diferente, minha mente era diferente, e foi necessária muita conscientização por minha parte para eu entender isso, e principalmente o valor de tudo isso. Não era apenas meu cabelo que estava mudando, mas a Rita como um todo.
Sobre o pós big chop
Mas o Blackinho foi crescendo, e cada vez mais eu enraizava a cultura afro e aprendia sobre mim, a não ter vergonha de minhas raízes, já que esta deveria ser (e é) meu maior motivo de orgulho. (foto tirada em janeiro/2016).
Hoje, com um ano e meio de BC, realmente sei quem sou a me ver no espelho, me aceitei como sou, e espero que cada vez mais as pessoas façam isso, influenciem umas as outras positivamente, a se aceitarem como são, pois isso é algo primordial na felicidade de cada um individualmente e em conjunto!
O cabelo, pode não parecer, mas corresponde a uma parcela enorme de nós mesmos, e muda-lo é considerado um ato político, principalmente se você for negra e/ou crespa. Hoje, com um ano e meio de BC, realmente sei quem sou a me ver no espelho, me aceitei como sou, e espero que cada vez mais as pessoas façam isso, influenciem umas as outras positivamente, a se aceitarem como são, pois isso é algo primordial na felicidade de cada um individualmente e em conjunto!
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