Matheus Pavani é farmacêutico e mestre em ciências pela Unicamp. Atualmente faz doutorado na mesma instituição. Desde sua graduação, ele vem pesquisando sobre a fibra capilar junto com a Profa. Inés Joekes (in Memoriam) no Instituto de Química. Juntos, pesquisaram sobre o efeito dos alisamentos em cabelos caucasianos e afro-americanos, efeito de sal (cloreto de sódio) sobre o fibra capilar. Sua pesquisa foi apresentada na conferência IFSCC (International Federation of Societies of Cosmetic Chemists) em 2013. Ele foi convidado pelo blog Cachos e Fatos a falar sobre os resultados de sua pesquisa sobre os alisantes capilares.
Sabrinah Giampá – O que foi avaliado em sua pesquisa sobre alisantes capilares?
Matheus Pavani – Durante a pesquisa, tentamos avaliar os danos causados em cabelos afro-americanos (assim chamados os cabelos crespos na pesquisa) e cabelos caucasianos (cabelos lisos) frente às técnicas de alisamento como chapinha e alisamento químico (com tioglicolato). Danos também foram quantificados nesses cabelos quando as duas técnicas são combinadas (afinal é frequente o uso diário de chapinha por pessoas que alisam com tioglicolato, já que esta última não é 100 % eficiente em termos de alisamento, principalmente quando o cabelo é mais crespo).
Sabrinah Giampá – Como foram quantificados estes danos?
Matheus Pavani – Os danos foram quantificados em termos de perda de proteína (queratina) e mudança de cor antes e depois dos tratamentos; estas são técnicas interessantes, pois elas são indicativas de danos na estrutura do fio. Para ter uma ideia, o cabelo é constituído por mais de 90% de proteína, assim, quanto maior a perda proteica, maior o dano; da mesma maneira, se há mudança de cor, é sinal que houve mudança nas ligações entre as cadeias de proteína da superfície do fio, ou ainda modificação da melanina presente no interior dele. De um modo geral, todos os procedimentos induzem à perda de queratina e mudança de cor, independentemente do tipo de cabelo.
Sabrinah Giampá – Em ambos os procedimentos, qual o cabelo que sai mais prejudicado: o caucasiano(liso) ou o crespo (afro-americano)?
Matheus Pavani – No geral, o cabelo crespo é mais suscetível a danos sim. Isso ocorre porque ele possui naturalmente regiões com uma barreira (chamada de cutícula) menos espessa de queratina (não é a fibra toda) e é essa um dos motivos de esse tipo de cabelo ser naturalmente mais frágil. Em específico, a chapinha provoca mais danos no cabelo crespo, enquanto o cabelo caucasiano mostrou ser mais suscetível aos danos causados pelo tioglicolato. Entretanto, quando as duas técnicas são utilizadas em conjunto (tioglicolato + chapinha), o cabelo afro é o que sofre maior danificação na estrutura (perde cerca de duas vezes mais proteína, além de tornar-se mais amarelado).
Sabrinah Giampá- Como é possível perceber que a estrutura do fio foi danificada?
Mathes Pavani – Quero ressaltar que danos na estrutura do fio refletem em alterações sensoriais, como aspereza, quebra, falta de brilho, etc. É muito importante salientar que tais danos são permanentes e cumulativos e, ao contrário do que promete a maioria dos cosméticos, o fio danificado não é capaz de ter sua estrutura regenerada. Os cosméticos disponíveis atuam no sentido de prevenir (ou reduzir) danos adicionais e ‘disfarçar’ os danos existentes para melhorar a aparência do fio.
Sabrinah Giampá – Em que categorias podem ser divididos os tipos de alisamentos?
Matheus Pavani – Dois tipos:
1- Alisamento Físico (ou térmico) – onde o calor é utilizado no processo, conhecido na prática pela chapinha e secador (escova tradicional – apenas com tração, sem componentes químicos). Nesse procedimento, as proteínas do fio são desnaturadas pelo calor e assumem uma conformação mais lisa. Essa alteração é reversível e, portanto, o efeito liso é temporário (basta aumentar a umidade do ambiente que o cabelo começa a adquirir sua forma natural). Entretanto, pesquisas mostram que alterações permanentes ocorrem nos fios com esse tipo de alisamento, principalmente no uso contínuo (lembre-se que alterações estruturais no fio são permanentes).
2-Alisamento químico – Nele podem ser utilizados diversos tipos de substâncias capazes de modificações na estrutura dos fios. Quase todas as substâncias disponíveis no mercado para alisamento (como tioglicolato, hidróxido de sódio e lítio, e guanidina) atuam em ligações químicas chamadas pontes dissulfeto, que são ligações químicas fortes e abundantes no fio; alterando essas ligações, altera-se a forma do fio. Essas substâncias são chamadas genericamente de redutores. Teoricamente, essa alteração é permanente, isto é, o efeito liso se mantém mesmo após as lavagens, entretanto, na prática, isto não ocorre, já que há uma reclamação frequente de pessoas que utilizam essas substâncias é que o efeito liso vai se perdendo ao longo do tempo.
As altas temperaturas utilizadas (e agora foco mais na chapinha/baby liss, que chegam a cerca de 250 ºC) são mais que suficientes para atuar na desnaturação das proteínas do fio (como expliquei anteriormente) que tornam o fio com aparência lisa. Entretanto, essas temperaturas elevadas causam danos à estrutura dos cabelos e esses danos, como falei, são permanentes.
Sabrinah Giampá – Quando você diz que os alisamentos físicos ou térmicos, a longo prazo, podem alterar a estrutura do fio, gostaria de entender como isso ocorre.
Matheus Pavani – Sabrinah, os secadores e, principalmente, as chapinhas, atuam por meio de calor para modificar temporariamente a forma do fio (para alisar, ou cachear – como baby liss, por exemplo). As altas temperaturas utilizadas (e agora foco mais na chapinha/baby liss, que chegam a cerca de 250 ºC) são mais que suficientes para atuar na desnaturação das proteínas do fio (como expliquei anteriormente) que tornam o fio com aparência lisa. Entretanto, essas temperaturas elevadas causam danos à estrutura dos cabelos e esses danos, como falei, são permanentes.
Sabrinah Giampá – E o que seriam essas mudanças permanentes?
Matheus Pavani – As mudanças permanentes às quais me refiro, são relativas aos danos. São formadas fissuras no fio de cabelo, o que reflete em um cabelo áspero, sem brilho, mais suscetível à quebra, entre outros sinais de danos. Mas lembre-se que quanto maior a temperatura, maior serão os danos. Assim, uma escova (com secador, que fica próximo dos 100ºC) é menos danosa (apesar de ser danosa em certo grau) que uma chapinha que chega quase a 300 ºC. Agora imagine uma pessoa que faz uso de chapinha (300ºC) a cada lavagem para manter os cabelos lisos!
Quando se considera a frequência, aquelas mudanças que se via em escala microscópica, tornam-se visuais, como mudança de cor (na nossa pesquisa, os fios tendem ficar mais amarelos quando se usa chapinha a longo prazo), inclusive de forma em alguns casos. É lógico que essas mudanças variam de pessoa para pessoa, e devemos levar em consideração qual temperatura é utilizada (isto é, a técnica se é secador, chapinha, etc) e a frequência que se utiliza. Por exemplo, na pesquisa que detalhei para você, submeti cabelos afro-americanos a 30 minutos (não seguidos) a uma prancha que alcançava facilmente 170 ºC .O tempo escolhido foi para imitar alguém que usa chapinha diariamente por um longo período. Surpreendentemente, nesse caso os cabelos perdiam a forma original dos cachos e tornavam-se mais lisos (e extremamente ásperos ao toque) mesmo após molha-los em água! Essa observação também foi feita por outros colegas de laboratório (veja que testamos casos extremos para avaliar de fato até onde a técnica pode danificar o cabelo).
Submeti cabelos afro-americanos a 30 minutos (não seguidos) a uma prancha que alcançava facilmente 170 ºC. O tempo escolhido foi para imitar alguém que usa a chapinha diariamente por um longo período. Surpreendentemente, nesse caso, os cabelos perdiam a forma original dos cachos e tornavam-se mais lisos (e extremamente ásperos ao toque) mesmo após molha-los em água!
Sabrinah Giampá – Como tenho um cabelo cacheado e fiz escova por um longo período, meu cabelo nunca deixou de ser cacheado. Essa mudança seria em relação a saúde do fio, e não no caso da estrutura? O fio ficaria mais fino, e poroso, é isso?
Matheus Pavani – Quando me refiro à estrutura, que dizer aos constituintes do fio, essas alterações na maioria das vezes são microscópicas, mas acabam refletindo em alterações sensoriais, como aspereza, falta de brilho etc.
Sabrinah Giampá – E claro, cortando esse cabelo, o cabelo que nasce na raiz estará saudável, certo?
Matheus Pavani – Exato. Os danos são permanentes na região do fio que é afetada, assim, conforme o cabelo nasce novamente, esses danos não mais existirão, a não ser que sejam expostos novamente.
Sabrinah Giampá – Você demonstrou que ambos os alisamentos causam danos nos fios, mas gostaria de saber se causam também danos à saúde da usuária, seja a longo ou curto prazo?
Matheus Pavani – Em termos de danos aos cabelos, vimos que ambos causam mudanças de cor e perda de proteínas nos fios. Já em relação aos danos à saúde, o principal risco do alisamento térmico são queimaduras no couro cabeludo. Já o alisamento com redutores, incluem desde queimaduras a alergias de contato (o pH desses produtos é alcalino, favorável à esses eventos, principalmente se mal utilizados). Muito dos produtos contém amônia para manter o pH ótimo da formulação, essa substância é volátil e pode causar irritação nas vias aéreas se inaladas.
Sabrinah Giampá – Nos últimos anos, um outro tipo de alisamento surgiu e se propagou rapidamente: as escovas progressivas. Fale sobre os danos causados com o uso deste tipo de alisamento.
Matheus Pavani – A maioria delas, infelizmente até hoje, utilizam como ingrediente ativo o formol (ou substâncias que liberam formol). O formol ou seus derivados (ácido glioxílico ou glioxilatos podem ser citados como exemplo) pode gerar uma série de danos à saúde de quem utiliza esses produtos, que vão desde queimaduras e alergias de contato, irritação ocular e, a longo prazo, câncer. Algumas substâncias alternativas ao formol surgiram, como a Carbocisteína e seus derivados. São as escovas de “proteína”, escova de açúcar, de mandioca, de óleo de argan, e qualquer outra da moda: essas substâncias, se não associadas a outras, não tem poder de alisamento efetivo. É importante ficar de olho no rótulo do produto para analisar qual o ingrediente responsável pelo alisamento.
Sabrinah Giampá – Outra dúvida que é frequente para a maioria das leitoras, e gostaria que explicasse melhor, seria sobre os ingredientes dos alisamentos/relaxamentos e a diferença entre eles.
Matheus Pavani – Sabrinah, de modo geral as formulações dos relaxamentos/alisamentos e permanente levam os mesmos ingredientes ativos, a diferença existente entre relaxamento e alisamento é o tempo de ação do produto no cabelo (no alisamento, ao tempo de ação é maior), no caso da permanente, o fio é mantido enrolado em vez de estirado para “fixação” dessa nova forma, além disso, a concentração de ingredientes alisantes pode variar; esses ingredientes são chamados de agentes redutores, e podem ser sais de tioglicolato (os mais utilizados), guanidina, ou hidróxidos de sódio ou lítio (estes últimos estão em desuso), todos possuem o mesmo mecanismo de ação no fio de cabelo, o que diferencia é o pH ótimo de ação de cada um.
Sabrinah Giampá – E o quanto, em termos de escala, eles são prejudiciais aos fios?
Matheus Pavani – Sem dúvida, os sais de tioglicolato são os menos prejudiciais em relação aos outros, já que o pH utilizado no processo consegue ser reduzido de 12 (no caso dos hidróxidos) para 9 (no caso do tioglicolato) – em pH extremo o cabelo corre o risco de dissolver! Reduzindo o pH, esse risco diminiui. De qualquer forma, vimos que o tioglicolato danifica, e muito, os cabelos, além disso a eficiência de alisamento do tioglicolato é mais baixa que da guanidina e hidróxidos. Como falei, todos esses ingredientes são empregados com a finalidade de um alisamento definitivo, assim o resultado é obtido em uma única aplicação.
Sabrinah Giampá – E quanto aos retoques para quem se submete a estes tipos de químicas alisantes?
O retoque deve ser realizado apenas na raiz, conforme o cabelo for crescendo. Reaplicar o produto em uma área que já recebeu o tratamento pode, em casos extremos, digerir o fio (Corte químico). Nesse aspecto, esse tipo de alisamento difere das escovas progressivas, que são normalmente aplicadas com uma periodicidade de 20 – 30 dias. As escovas progressivas podem levar dois tipos de ingredientes:
- Agentes redutores (possuem mecanismo de ação semelhante aos do alisamento definitivo, só que são utilizados em menor concentração, ou ainda são utilizados ingredientes mais “suaves”). O mais comum nessa classe é a Carbocisteína, um composto derivado de aminoácido, cuja eficácia de alisamento é menor que o do tioglicolato, (não tenho dados relativos a danos induzidos por carbocisteina, porém, deduzo que deve ser menos prejudicial que aqueles utilizados no alisamento definitivo); ou
- Formol e derivados, que tem seu uso proibido pela Anvisa por serem prejudiciais à saúde, porém ainda são utilizados. Por incrível que pareça, os poucos dados que existem indicam que o formol em si não é tão prejudicial à estrutura do fio, porém existe muito a ser explorado ainda. O seu grande problema é em relação aos sérios e graves problemas de saúde que ele pode causar (mais detalhado adiante). É muito importante ressaltar que apesar de utilizarem ingredientes mais “suaves”, o processo da escova progressiva inclui a utilização de prancha a altas temperaturas para acelerar a reação dos ingredientes (eles são menos reativos e precisam de calor para acelerar a reação de alisamento) e como vimos, altas temperaturas tem um papel fundamental na causa de danos aos fios.
Um alisante de tioglicolato nunca deve ser reaplicado em uma área que já foi submetida a alisamento, podendo causar queda de todos os fios. A queda é causada devido ao rompimento dos fios, que ficam fragilizados.
Sabrinah Giampá – No caso de usuárias de químicas alisantes, como elas devem estudar o rótulo na hora de escolher esses produtos?
Matheus Pavani – Todos os ingredientes devem estar descritos no rótulo. Eles vêm escritos em uma nomenclatura oficial, em inglês: thyoglicolate, sodium hydroxide, guanidine hydroxide, carbocysteine, etc. Se o consumidor se deparar com um produto que diz alisar os cabelos e não contém nenhum desses ingredientes, vale desconfiar da presença de formol. Vale se atentar para alguns derivados de formol que vem disfarçados no rótulo, com os seguintes nomes: glyoxilic acid (ácido glioxílico), gluraldehyde (glutaraldeido) – eles liberam formol quando os cabelos são submetidos à etapa com a chapinha.
Sabrinah Giampá – Alisantes utilizados a longo prazo podem causar queda, alopecia, ou danos mais graves a saúde, como um câncer, por exemplo?
Matheus Pavani – Sim, principalmente se utilizados de maneira incorreta. Por exemplo, um alisante de tioglicolato nunca deve ser reaplicado em uma área que já foi submetida a alisamento, podendo causar queda de todos os fios. A queda é causada devido ao rompimento dos fios, que ficam fragilizados. Novamente, é um fator temporário, a medida que se interrompe a utilização e um novo fio cresce. A interrupção do crescimento do fio pode ocorrer em casos em que houver queimadura causada pelos alisantes, e que esta queimadura seja suficiente para causar danos ao folículo (local que o cabelo é formado). Em contato com a pele, os alisantes podem causar irritação severa, por isso é importante evitar ao máximo o contato com o couro cabeludo. Se utilizados corretamente, não devem causar maiores danos à saúde (com exceção dos danos aos fios, estes inevitáveis). Já em relação ao formol, este sim é muito grave à saúde, pois ele é uma substância altamente cancerígena e não deve ser utilizada.
Sabrinah Giampá – Podem ser usados em gestantes e crianças, como muitas marcas garantem?
Matheus Pavani – Um estudo mostrou que o uso de produtos de alisamento de cabelo não aumentou o risco de nascimento prematuro ou de ter um recém-nascido abaixo do peso. No entanto, veja que é apenas um estudo e, apesar das substância alisantes (com exceção para o formol) não serem absorvidas pela pele em grande extensão, a grávida deve se atentar para aqueles produtos que liberam vapores tóxicos durante a aplicação (a maioria contém amônia, que possui um odor característico e pode ser tóxico ao feto e ao usuário). Em relação ao formol, se o já é tóxico para uma pessoa adulta, para o feto é muito mais, por isso não deve ser utilizado em hipótese alguma, e a mulher grávida deve ficar bastante atenta sobre o rótulo de seu produto. Já as crianças constituem um grupo mais suscetível à alergias e reações contra os alisantes mais fortes (aqueles que atuam em alto pH – tioglicolato, hidróxidos, etc), bem como aos vapores de amônia. O mais indicado para ambos os casos seria a carbocisteína, que quase não apresenta toxicidade.
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Nice says:
Parabéns excelente trabalho/pesquisa Matheus!