“Meu nome é Eryka da Siva Pereira, natural de São Bernardo do Campo – SP. Atualmente, resido aqui em Mogi das Cruzes, na região do Alto Tietê-SP. Eu sou estudante da Escola Técnica Presidente Vargas, no Ensino Médio, e já fiz técnico em administração lá também. Não trabalho.
Tenho 16 anos e, recentemente, fiz o temido Big Chop, uma decisão que, em outros tempos, jamais iria tomar em minha vida. Minha trajetória com o meu cabelo vem desde muito cedo. Sou morena, mas possuo vários traços que marcam a minha etnia negra, como a maioria dos brasileiros.
O principal desses traços é o meu cabelo cacheado crespo, 3b-3c, que desde cedo, representava um problema para mim . Quando eu era bebê, meu cabelo era de um cacheado cor de caramelo, e minha mãe sempre cuidou dele. Mas com os meus 7 anos, eu já passava o conhecido pente quente no cabelo, aquele que é aquecido na brasa do fogão.
Ainda não conhecia a chapinha, mas naquela época, na escolinha, a beleza que eu queria, era a que todas as meninas possuíam – a do cabelo esticado, liso, balançando. Eu adorava me olhar no espelho com o cabelo liso e grande, e não me importava se meu couro cabeludo estivesse queimado.
No entanto, o tempo foi passando, e com o grande volume de cabelo que sempre tive, o pente e o suor trabalhavam contraditoriamente, e o efeito liso acabava saindo na metade do dia, e o meu cabelo subindo. Minha mãe, como ela mesma admite, nunca soube cuidar de cabelo cacheado, e fui criada tendo como única solução, prender o cabelo ensopado de creme. Então não conseguia ver outro caminho pra mim, e mesmo nova, lá com meus 8, 9 e 10 anos, já comecei a fazer uso da amônia.
Os alisantes de caixinha eram os meus melhores amigos. mas se na primeira aplicação consegui cachos soltos, do jeito que eu queria, da terceira em diante, eu praticamente não tinha mais nenhuma forma, só um cabelo espigado pela química.
A partir daí, entrei na pré-adolescência e passei a odiar meu rosto por não me encaixar nos padrões estipulados. Meus problemas eram a testa, que eu achava grande, o cabelo, claro, que tinha que estar sempre preso, mesmo quando todas as meninas usavam franja, que aliás era meu sonho.
Foi quando mudamos aqui pra Mogi das Cruzes, por causa do emprego do meu pai, que o meu verdadeiro pesadelo começou. Na escola, sofri na pele o racismo, tendo meu cabelo apelidado dos piores nomes. Isso me marca até hoje.
Nesta altura, já na 6ª série, eu já tinha adquirido a chapinha e, incansavelmente, perdia horas a fio antes do colégio, tentando abaixar a raiz e fazer com que o comprimento do cabelo e as pontas parecessem menos retas e queimadas.Não adiantava, o efeito da amônia combinado com o calor era o pior possível , eu não fazia ideia de como tratar aquele cabelo.
Um dia, tentando realizar o sonho da franja, soltei o cabelo para mostrar para uma amiga, mas a franja não parava, ficava pra cima, como um topete, daí fui obrigada a desistir.
Os anos foram passando e eu só andava de rabo de cavalo. No final da 8ª série, no fim do ano, eram meus últimos dias naquela escola, (ia mudar para a que estou agora, que precisa de um vestibulinho) resolvi que ia com o cabelo sem chapinha pra ver como ficava, e incrivelmente, mesmo sem amônia, os cachinhos tinham se definido atrás, só na frente que a situação era crítica (muito queimado pelo calor da chapinha).
O cabelo estava no ombro, e os amigos próximos disseram que estava bom, o resto da escola só ria. Então, passei no vestibulinho para o médio na ETEC, e para entrar na escola nova, decidi nas primeiras semanas mudar e, finalmente, eis que descobri o que achava ser a minha ‘salvação”: a progressiva.
Fui no salão e infernizei muito minha mãe, queria porque queria o cabelo liso e a franja, principalmente. A cabeleireira disse que precisava hidratar meu cabelo antes de fazer a química, pois ele iria espatifar se fizesse do jeito que estava, de tão crítica que era a situação do cabelo.
Então fiz os tratamentos que incluíam começar a escovar da forma certa e banho de brilho (para escurecer o cabelo que ela julgava queimado). Só com a escova eu já adorei o caimento do meu cabelo. Nunca tinha visto ele tão bonito, grande e LISO daquele jeito.
Então veio o esperado dia da progressiva, eu estava ansiosa… até descobrir que seriam horas e horas no salão (suplício pra quem é hiperativa, como eu) sem nada pra fazer, inalando aquele aroma horrível do formol (disseram que era com formol reduzido), mais o cheiro cítrico do produto, que fazia super mal pra mim que tenho rinite, sinusite e várias alergias.
Mas não importava, eu PRECISAVA DESESPERADAMENTE , queria aquilo mais do que tudo. Nem o olho ardendo me impediu. E depois de um sábado todo no salão, o resultado me fez muito feliz: um cabelo liso, brilhoso, com franja. Era tudo que eu mais queria!
Na escola, só recebi elogios por aderir o padrão social, ser mais um tijolo nessa falida estrutura preconceituosa, que hoje vejo com repugnância, ao constatar que é puro preconceito à nossa raça. Mas naquela época iludida, eu era feliz.
E assim foram nos primeiros meses, só alegria. Até que depois de algumas lavagens, eu que sempre amei ser asseada, descobri caspas enormes na minha cabeça, que nunca tinha tido até então, pois cabelo crespo é seco, e é mais difícil ter caspa, além disso, eu sempre prezei a limpeza dos fios.
Foi então que fui no salão reclamar, e descobri que se tratava de uma descamação horrível do couro cabeludo, decorrente da agressão do formol. Eu sabia até dos riscos de câncer com formol, mas não ligava. Percebi que não havia remédio, se optasse por continuar fazendo a química, o único jeito, era em toda lavagem, pedir ajuda da minha mãe, cansada, e fazer com que ela abrisse o meu cabelo, mecha a mecha, e perdesse várias horas tirando com o pente as caspas mais aparentes.
Aquilo me irritava e me deixava muito envergonhada, pois parecia que eu não tinha higiene. Mas acima de tudo, eu tinha que continuar com cabelo liso. Aceitar o meu cabelo de verdade, jamais.
Também era escrava da chapinha , secador, leave-in , do pente, e ao invés de três em três meses, que seria o ideal, eu retocava a raiz mensalmente, porque me desagradava a ideia de ter 1cm de raiz natural e crespa. Gastava dinheiro demais.
Até que um ano depois, procurando na net maneiras de amenizar as caspas que eu odiava, assisti o primeiro vídeo que me influenciaria meses depois a tomar a MELHOR decisão da minha vida.
Era o vídeo da Amanda Barboza, uma linda que estava alertando sobre o mesmo problema que eu, e que havia cortado todo o liso do cabelo por causa da DOENÇA causada pela progressiva – a dermatite seborreica. O vídeo dela mexeu muito comigo, e pela primeira vez cogitei a ideia de assumir meus cachos.
Lavei o cabelo e descobri, que diferente da amônia, que ainda permitia os cachos quando não estava escovado, a progressiva nunca mais me daria a chance de ter os cachinhos de volta sem cortar. Entrei em desespero, pensei, tentei amassar o cabelo com creme para fazer cachos, e nada. Só consegui fios duros e grudados na cabeça. Mas mesmo assim, eu mesmo confesso que ainda tinha um preconceito com meu próprio cabelo,pode isso?
Achava que tinha nascido desprovida de beleza e graça por causa dele, tudo era culpa do crespo do meu cabelo. Esqueci o assunto temporariamente porque não queria cortar o cabelo curto, afinal, o que iriam achar? (Sim, nessa época me preocupava com a opinião alheia).
Mas quatro meses depois daquele vídeo, ele voltou a povoar minha cabeça,e comecei a assistir vários sobre uma coisa que descobri chamar Transição Capilar. Outro termo novo, que conheci nos vídeos, foi o Big Chop.
Comecei a me encucar… o que queria dizer tudo isso? Todo esse mundo que eu não conhecia, de meninas que como eu, tinham se aceitado, enfim, eu não estaria mais sozinha!
Comecei a ver aqueles videos todos os dias, pesquisei e conheci o que significava cada termo. Mesmo com vários trabalhos de escola, comecei a ter tempo pra pesquisar, e finalmente comecei a entender a minha essência, a minha ancestralidade, e passei a ver com outros olhos o meu cabelo, e os traços que antes considerava feios.
Contei pra minha mãe a descoberta desse mundo novo, sem as caspas, sem aquele gasto no salão, sem aquela queimação no couro cabeludo, sem aquele tempo perdido aos sábados para o retoque da raiz. E foi assim que eu tomei a decisão: SE ELAS CONSEGUIRAM, EU TAMBÉM PODIA ME AMAR E ME ACEITAR!
Descobri que a sociedade estava errada, eu tinha o direito de ser legítima, como eu era de verdade, e não importaria o que dissessem. Mesmo sendo o último ano de escola, eu faria.
Comecei a transição então no meio/final de 2013, e combinei que não iria gastar com progressiva, mas aplicar o dinheiro em máscaras de tratamento e produtos para meu novo cabelo. Contei pras minhas melhores amigas, a Samantha, inclusive, foi a que mais me apoiou.
A raiz que me incomodava a cada mês, agora era a boa notícia que meus cachos iriam voltar pouco a pouco. Estava passando a mão todos os dias, curtindo as voltinhas do meus cachinhos. Constantemente, enchia o saco da minha mãe (risos): ‘ Mãe, olha, tá crescendo, mãe olha isso, olha direito, tem um cachinho aqui mãe”.
Minha família me apoiou. Comecei a prender a franja e encostei a chapinha de lado. Usava babyliss pra disfarçar a altura da raiz, e usava xampu antiresíduos. Comecei o cronograma (adaptei do meu jeito). Tinha dias, claro, que me sentia horrível na escola,pois estava acostumada com a franja, e tive que aceitar minha testa. Os rabos de cavalo e coques eram mais recorrentes, mas também abusava muito de texturizações.
Fiz minha mãe comprar bigudinhos de silicone, fiz papelote de jornal e outros tipos de bigudinho com creme de fixação. Descobri que uma melhor amiga também estava na transição, e tínhamos começado juntas! Ela fez o BC primeiro que eu, e me encorajou quando eu ainda nem tinha coragem.
No entanto, como já estudava das 7h às 17h30 por causa do técnico de ADM., integrado com o médio na ETEC, meu tempo estava muito curto para fazer as texturizações, era muito trabalho! Nessa altura, nem o babyliss eu usava mais. Perdia muito tempo. Mas mesmo assim, ainda resistia muito ao BC. Não conseguia me imaginar de cabelo curto, só a testa aparecendo já era um avanço.
Comecei a andar só de coque, mas me sentia muito feia, inclusive perto das minhas amigas. Então, em 2014, aos sete meses de transição, comecei a ver muitos vídeos de BC e pensar e pensar…
Já tinha pago a formatura, e não me imaginava de black na formatura do médio, nem no meu TCC do técnico. A texturização voltou, mas com o tempo frio e chuvoso, não durava nada. Numa excursão que fiz pra um lugar com cachoeira, voltei de touca. Estava péssima, com a autoestima lá embaixo.
Então comecei a me preparar de verdade para o bc. Cortei o cabelo no ombro. Com o cabelo já mais curto e raiz super alta, ouvi muitas críticas, mas não liguei. Alisei o cabelo com chapinha pro TCC, mas depois disso, já havia decidido começar a cortar aos poucos.
No primeiro corte, tirei um pedação de pontas lisas e o cabelo ficou acima do ombro. Nunca tinha tido um cabelo tão curto.
Nas férias da Copa do Mundo foi a gota d’água. No dia quatro, quando o Brasil jogou e decidiu por pênaltis, foi o grande dia, e nem eu sabia. Acordei normalmente, me olhei no espelho, olhei pro notebook (tinha dormido assistindo vídeo de bc), abri, respirei fundo, e fui na minha mãe contar o que tinha decidido: ‘Mãe, quero ir agora no salão, vou cortar toda a parte lisa do meu cabelo hoje!’
Tem um salãozinho ao lado da minha casa, e a dona topou fazer o corte antes do jogo, e foi o meu grande momento. Atravessei a rua, entrei decidida. Ela perguntou se eu iria cortar, e eu disse: ‘Pode tirar tudo de parte lisa’. E ela disse: ‘Menina, você tem estilo e atitude, o cabelo vai combinar contigo!’
Ela foi cortando, e minha mãe ao lado, vendo o meu cabelo encolher junto comigo. Adorei! Foi o melhor sentimento da minha vida. Ela ainda deixou a parte da frente grande para eu arrumar com o babyliss até acostumar. Usei dois dias com ele maiorzinho na frente, mas me senti ainda presa ao babyliss. Então, peguei eu mesma a tesoura, e cortei o resto do degradê liso que ela tinha deixado. Agora sim estava livre.
Era eu, e chamava atenção aonde ia. Não ligava pros maus olhares, porque ERA EU DE VERDADE ALI! Liguei pra minha amiga e contei, ela pediu foto na hora. No outro dia, na escola, só recebi elogios de quem achei que só ia receber críticas. Um amigo disse que estava lindo pro meu rosto, pra eu deixar assim. Desde então, aprendi várias receitas, inclusive gel de linhaça, e agora, quase dois meses depois, amo meu black , me amo, e todos os cacheados e traços negros que eu puder. Amo vlogueiras como a Rayza Nicácio, a Brenda Lima, e inclusive o seu blog, que eu descobri ainda na transição e não perdi uma postagem desde então, inclusive te add no facebook :), e um dia ainda vou na sua garagem dos cachos! Aprendi a ser eu, e inclusive, vou cacheada na minha formatura, 3º ano, 17 anos, essa serei eu. Obrigada pelo espaço, pela paciência desde já :).”
Eryka da Silva Pereira
Aluna ETEC-PV
Centro Paula Souza
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Gessica says:
Qui linda sua história, me identifiquei muito, também tenho esse problema de ter a testa grande rsrs e é uma coisa que me incomoda muito além disso tenho problema de acne dai que fica mais complicado a aceitação, pq ate vc se aceitar do jeito que é vem aqueles PQ, pq nao tenho cabelo liso e tal,eu mesma não uso rabo de cavalo pq n me sinto muito bem tenho alguns traumas tbm de infancia … Mas Parabéns sua história é uma inspiração pra mim, vc é muita linda