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FANFC da esq p/ dir: Alice do Monte, Letícia Carvalho, Katarina Mendes, Nathália Ferreira e Amanda Bomfim

Assumir o cabelo natural mudou a vida destas cinco mulheres da região metropolitana de Recife, que recuperaram a autoestima perdida às margens de uma sociedade preconceituosa, ergueram a cabeça, se empoderaram e enfiaram o black goela abaixo do padrão de beleza do longo e liso, que nos é imposto desde a tenra infância.

Juntas, resolveram ajudar outras mulheres a descobrirem sua real beleza, se libertarem das químicas dolorosas e instrumentos de tortura, como a chapinha, e criaram o movimento Faça Amor, Não Faça Chapinha, que através de uma página no facebook, virou um hino em prol do crespo natural e, acima disso, da liberdade de ser você mesma, acima de qualquer julgamento ou crítica, pois quando você é capaz de enxergar sua real beleza, é capaz de remover algumas vendas, se fazer enxergar, e descobrir sua verdadeira missão na vida.

Sabrinah Giampá- Primeiramente, gostaria que me contassem como surgiu o Faça Amor, Não Faça Chapinha. É um movimento? Quem são as participantes-fundadoras? Qual o objetivo deste grupo?

FANFC- Agora que todos nos veem assim, nós acabamos por nos enxergar como movimento sim. Ele se deu por consequência da página no Facebook, vendo a dimensão que o assunto tem. A página veio da arte de Letícia Carvalho, a idealizadora e designer do movimento. Ela fez o desenho inspirada no ‘Faça Amor, Não Faça a Barba’, porque depois disso, muitas pessoas passaram a enxergar melhor a barba, que antes era, de forma generalizada, considerada falta de higiene etc e tal. Então,  fazendo algo parecido relativo ao cabelo crespo, a ideia era que acontecesse o mesmo: as pessoas vissem o cabelo afro tão bonito quanto os outros, nem melhor, nem pior. Daí Letícia postou no seu perfil pessoal e já teve uma certa repercussão: comentários, elogios, sugestões. Numa dessas sugestões tinha a de criar uma página, e foi o que aconteceu; ela criou e chamou a irmã, Nathália Ferreira, eu, Amanda Bomfim, e mais duas amigas, Rayana Soares e Nathália Teixeira; com o tempo as últimas meninas citadas saíram e entrou Katarina Mendes e Alice do Monte, e essa é a equipe atual.

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Letícia Carvalho: Eu passei por aquilo que uma criança negra passa na sociedade que vivemos: me desenhei branca de cabelo liso, ouvi gente dizendo pra não andarem comigo porque sou preta, quis crescer pra me embranquecer com alisamento, creme clareador, plástica etc.

Sabrinah Giampá – Vocês usam o cabelo natural há quanto tempo? Também já foram escravas da chapinha como muitas mulheres? O que mudou na vida de vocês usar o cabelo natural ? Como é a relação de todas com o cabelo natural?

FANFC- (Bom, como somos cinco, vou colocar aqui separadamente o que cada uma tem pra dizer:

Amanda Bomfim: Eu voltei ao natural tem quase dois anos, antes disso fazia progressiva e inteligente (não fazia chapinha em casa não). Mudar me faz rever os conceitos tradicionais da sociedade, os padrões. Dá a liberdade de me reafirmar como o que sou e/ou quero mostrar. Ah, e poupa tempo, já que o meu é curto! E é simples, só aprender o que e como usar.

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Letícia Carvalho: Eu passei por aquilo que uma criança negra passa na sociedade que vivemos: me desenhei branca de cabelo liso, ouvi gente dizendo pra não andarem comigo porque sou preta, quis crescer pra me embranquecer com alisamento, creme clareador, plástica etc. Passei por bullying por infinitos motivos, porém sempre encarava com um: “E daí? Adoro minhas características únicas! E daí que sou magra demais? Depois engordo! Faço uma plástica nesse nariz e dou um jeito nesse cabelo ‘ruim’, que é meu pior defeito.” Só que, quando as críticas vieram de pessoas que eu gostava, a situação passou a me incomodar de uma forma que eu senti necessidade de fazer algo, e percebi que tinham muitos erros na minha reação. Porém, eu gostava de ‘provocar’ as pessoas com o que as incomodava quando eu sabia que estavam erradas, daí passei a gostar das minhas ‘características incômodas’. Comecei a fazer vários penteados diferentes no meu cabelo, até que cheguei nas tranças, que eu gostava, pois disfarçavam a real forma do cabelo. Depois, no ‘ápice da provocação’, soltei o cabelo crespo e saí na rua. Todo mundo falou mal e quase desisti, achando que era além do limite. Mas, quando desci a escada do metrô e vi uma estação lotada olhando meu cabelo com cara de susto, chocados, com uma reação indescritível, eu pensei: “que incrível!”, daí nunca mais escondi meu cabelo, pois passei a levar essa e outras ‘provocações’ como ato político, e hoje vejo que meu cabelo tem sido meu maior ato de resistência.

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Nathália Ferreira: Sempre fui zoada na escola e todos os apelidos ruins e xingamentos eram referentes ao meu cabelo, mesmo o mantendo escondido, sempre. Meu cabelo já chegou a ser arrancado pela escova de um cabeleireiro, de tão forte que era a química aplicada. Mesmo com chapinha, usava meu cabelo preso, com vergonha do que as pessoas pudessem falar.

Nathália Ferreira: Sempre fui zoada na escola e todos os apelidos ruins e xingamentos eram referentes ao meu cabelo, mesmo o mantendo escondido, sempre. Como o cabelo da minha irmã, Letícia, sempre foi mais crespo que o meu, então comecei mais cedo os alisamentos,e os fazia com mais frequência. Meu cabelo já chegou a ser arrancado pela escova de um cabeleireiro, de tão forte que era a química aplicada. Mesmo com chapinha, usava meu cabelo preso, com vergonha do que as pessoas pudessem falar. Por questões financeiras, parei de usar química, mas continuei prendendo. Quando comecei a usar tranças, comecei a me reconhecer mais, mas ainda era insegura. Esses dois anos adepta à elas me deixaram numa felicidade ilusória, porque a medida que elas ficavam, e o cabelo ia crescendo, o couro cabeludo ia ficando fraco. Fiz muito amigos nesse tempo, que tinham a curiosidade de saber como eu era sem as tranças, até que eu resolvi tomar coragem. Eu mesma TOSEI meu cabelo, pra garantir que não ia ter desistência da minha parte. E me senti bem, bonita. E pra provar que não tinha vergonha, como muitos falavam, tirei a grande foto de formatura desse jeito, mesmo com a juba ainda sem forma. E até hoje não parei. Junto com o meu crespo veio a vontade de estudar sobre o que eu tinha vergonha: meus cabelos, minhas raízes, minha identidade, e ajudar outras meninas com histórias parecidas. Provei pros meus amigos, pra minha família e principalmente pra mim, que não preciso me encaixar nos padrões pra me amar e ser amada por eles.

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Alice do Monte: Eu usava a chapinha diariamente até os 15 anos, quando decidi cortar meu cabelo, por achar ele feio. E as pessoas não me ajudavam. Quando não dava pra fazer chapinha, só usava ele preso. Assumir meus cachos, fez com que eu me sentisse mais livre, mais leve, e tornou a minha vida mais fácil. Não preciso mais passar horas pranchando o cabelo e usando químicas fortes.

Alice do Monte: “Bom, eu uso o cabelo natural há 11 meses. eu não passei por processo de transição porque meu cabelo é ondulado, e como eu costumo usá-lo muito curto, só ficava a raiz lisa. Mas aí, eu comecei a deixar ele crescer, e com a ajuda de alguns produtos, ele foi encaracolando, mesmo curtinho. Eu usava a chapinha diariamente até os 15 anos, quando decidi cortar meu cabelo, por achar ele feio. E as pessoas não me ajudavam. Quando não dava pra fazer chapinha, só usava ele preso. Assumir meus cachos, fez com que eu me sentisse mais livre, mais leve, e tornou a minha vida mais fácil. Não preciso mais passar horas pranchando o cabelo e usando químicas fortes. Depois que eu virei administradora da página, eu entendi mais ainda a importância de assumir o seu cabelo natural e se sentir bem com isso. Assumir o que de fato somos é muito mais que algo estético. Quando faço hidratações, são sempre naturais, mas geralmente prefiro o lavar a deixar secar ao vento mesmo (hahaha). É uma liberdade incomum.”

Katarina Mendes: Comecei a alisar meu cabelo por volta dos treze anos de idade. Nessa epóca, eu não fazia ideia do que era opressão e o significado que meu cabelo natural carregava em si. Passei uns dois anos com ele liso, e a minha obsessão por um liso perfeito era tamanha, que eu passava chapinha todos os dias antes de sair pra escola. Todas as minhas amigas tinham cabelos lisos e eu me sentia feia por não ser igual. Sofri corte químico, meu cabelo era ressecado e todo quebrado, mas nem assim eu me atentava ao problema que era ser refém do calor da chapinha e das feridas que as químicas me causavam. Aos quinze anos, mudei de escola. Era uma nova fase da minha vida, e conheci a pessoa que me influenciou a conhecer o meu cabelo. Ela viu um potencial que eu não via, e me ajudou bastante a começar o processo de transição. Foi bastante empoderador. Me vi como mulher forte e bela. Curti e cuidei de todas as texturas que tive, e digo pra todo mundo tentar fazer o mesmo. Não é apenas por estética, é por se sentir bem, se empoderar, e ser livre. A liberdade de expressão capilar não é nada mais do que a gente afirmar o que é: o corpo é meu, o cabelo é meu, sou bonita assim e mídia nenhuma vai dizer o contrário. Posso ter o crespo da cor que eu quiser, usar o penteado que eu quiser, e ninguém vai ditar o que combina ou não com minha textura ou minha cor.” É simples, é libertador.

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Katarina Mendes: Comecei a alisar meu cabelo por volta dos treze anos de idade. Nessa epóca, eu não fazia ideia do que era opressão e o significado que meu cabelo natural carregava em si. Passei uns dois anos com ele liso, e a minha obsessão por um liso perfeito era tamanha, que eu passava chapinha todos os dias antes de sair pra escola. Todas as minhas amigas tinham cabelos lisos e eu me sentia feia por não ser igual.

Sabrinah Giampá – Vocês acreditam, que no Brasil, as mulheres cacheadas e crespas sofram preconceito por não alisarem seus cabelos, e são coagidas a isso? Comentem, por favor.

FANFC – Sim. O que é lamentável. Essa opressão é verdadeira sim, por mais que as vezes seja maquiada de bem estar. Por exemplo, uma mulher negra, que tem o cabelo crespo e os traços fortes, alisa o cabelo e se sente mais bonita, mesmo que aquele processo possa fazer mal à ela um dia. Mas vamos pensar no motivo pelo qual ela acha aquele cabelo alisado é mais bonito do que o dela naturalmente cuidado: A mídia contribui para o crescimento da ideia de que o cabelo liso, é o cabelo mais bonito. A sociedade aceita essa ideia e a reproduz fortemente. Pra você, que já é oprimida pela sociedade machista simplesmente por existir sendo mulher, vai ser difícil ser aceita se você é mulher, negra e tem o cabelo crespo. Então a sua autoestima e autoconfiança vão pro fundo do poço, e você acaba por ceder à ‘tratamentos’ químicos fortíssimos, que alteram a estrutura do seu fio. Pronto, agora está implantada em você, a ideia de que você é mais bonita e vai sofrer menos preconceito na vida.

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Ideia ilusória essa, tendo em vista que o opressor nunca vai te aceitar como tu és, mesmo que tu tentes entrar nos padrões dele.(SIC) Esse é o momento que essas mulheres sofrem a mesma opressão de um jeito diferente. Antes os insultos vinham como: “Negrinha do cabelo ruim. Alisa isso, parece uma juba! Vai ficar mais bonito se alisar, tem que estar domado.”. Depois vem: “Olha isso, essa negrinha querendo parecer branca. Tu nunca vai ter cabelo bom menina, raspa logo isso aí que fica feio alisado também. Olha, parece cabelo de boneca. Parece que passaram ferro num bombril.”(SIC). Pode ser que isso não se aplique a todas, e ficamos felizes que não seja assim. Então, a ideia é se libertar dos padrões e se empoderar. É como sempre digo: Tomar consciência e poder pelo próprio corpo e ideias e saber seu lugar no mundo, que é no mundo inteiro. É sobre isso o nosso trabalho, incentivar e empoderar as pessoas oprimidas, pra que elas vejam o que há de belo em si. E dizer que se você se aceita do jeito que  é, o mundo vai ter que aceitar sim.

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Letícia Carvalho:quando desci a escada do metrô e vi uma estação lotada olhando meu cabelo com cara de susto, chocados, com uma reação indescritível, eu pensei: “que incrível!”, daí nunca mais escondi meu cabelo, pois passei a levar essa e outras ‘provocações’ como ato político, e hoje vejo que meu cabelo tem sido meu maior ato de resistência.

Sabrinah Giampá – Que recado deixariam a outras mulheres que estão em transição, ou seja, tentando voltar o cabelo ao natural e se libertando, não apenas da chapinha, mas de químicas agressivas como relaxamento e progressivas?

FANFC –Apenas seja forte e se empodere. Bata o pé e diga: “Meu cabelo é lindo por ser meu. Combina comigo por ser meu.” Se conheça. procure saber de quem você herdou seu cabelo crespo. Conheça outras moças cacheadas e empoderadas, cacheie seu círculo de amizades. Seja ousada e desprendida, pode haver horas de difíceis decisões. Tenha muito cuidado com o que indicam pro uso no seu cabelo, e não se prenda a um tipo de produto só. Invista muito em hidratações, pois quando estamos nos livrando da química, nosso cabelo precisa de água, e por fim, não tenha medo de tesouras. (risos). Temos um grupo no facebook em que a gente se ajuda bastante. Não é tempo perdido, podem procurar!

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