Quando criança,aprendi com a minha mãe e com a mídia, que meu cabelo natural era inadequado, e por isso, deveria ser ‘alinhado’ de acordo com as ‘normas’ vigentes. Para minha sorte, minha mãe não era tão radical, e meus fios infantis nunca viram um alisante de perto, ao contrário do que aconteceu com a Lely Ávilla e com Georgia Pedro, entrevistadas neste blog.
Crespa assumida hoje, Lely Ávilla teve os fios alisados pela mãe aos três anos de idade |
O que minha mãe fazia era reproduzir em mim o que fazia nela mesma: touca e escova. E quando um cachinho teimava em aparecer, o pânico tomava conta do meu ser. Afinal, o problema não era o cabelo em si, mas o medo de não ser aceita com o cabelo que havia nascido comigo, constantemente apontado como uma espécie de ‘anomalia genética’. Embora minha mãe nunca tenha me dito diretamente que meu cabelo era feio, o fato de arrumá-lo para que ficasse liso e a não aceitação do seu próprio cabelo, fizeram com que eu tirasse minhas próprias conclusões, obviamente, negativas. E essas influenciaram diretamente nas minhas relações interpessoais e autoestima.
A socióloga Claudia Sciré, autora do livro Consumo Popular, Fluxos Globais |
De acordo com a socióloga, Claudia Sciré, autora do livro Consumo Popular, Fluxos Globais, e do blog Fluxos Globais, as atitudes dos pais nada mais são do que a continuidade de um círculo vicioso de preconceito. “Provavelmente, esses pais também foram vítimas durante sua infância, e agora, visando evitar o sofrimento de seus filhos diante de atitudes de preconceito de coleguinhas e outras crianças e adultos, acabam adotando uma postura de que o bonito é ter cabelo liso. Assim, a reprodução dos preconceitos ocorre de geração para geração a partir de padrões de beleza que são concebidos tendo como base outras culturas (no nosso caso, a europeia) e legitimados ao longo de décadas com a ajuda da mídia”.
Tathiana Frascino e sua filhinha Manu, de apenas dois anos |
Para Cláudia Sciré, a mídia é apenas um dos vetores que contribui para a expansão de um posicionamento que envolve um padrão de beleza hegemônico, e que tende a se inspirar em padrões de beleza que em nada condizem com nossa cultura totalmente miscigenada, com influências fortíssimas de países africanos. “Outros vetores são os próprios cabeleireiros, ditadores de tendências de moda e a própria sociedade que, muitas vezes já internalizou, desde cedo, o que é socialmente considerado bonito ou feio. Quando se fala em idolatria ao liso, não se pode esquecer que se trata de um posicionamento que vem sido construído ao longo de anos e que visa a imposição de uma certa visão de mundo (e de beleza) por alguns setores da sociedade. Justamente aqueles que possuem mais poder para dar continuidade a esta ideia”, reforça.
Daniela Lisboa, cabeleireira especializada em cabelos crespos e cacheados |
Para a cabeleireira especializada em cabelos crespos e cacheados, Daniela Lisboa, do Floreal Clínica dos Cachos, o acesso à informação cada vez mais amplo, devido às redes sociais, blogs, fóruns e grupos, acaba facilitando os cuidados com os cabelos crespos, independente da pessoa ter ou não uma boa condição financeira. “Nesse caso é um ciclo virtuoso, pois a experiência de algumas pessoas acaba ajudando outras”, explica.
Eliane Serafim dá dicas, para cabelos crespos e cacheados, no blog Encaracoladas |
Para a blogueira do Encaracoladas, Eliane Serafim, em cabelos crespos/ afro, o condicionador, na maioria das vezes, não basta: “Por isso recomendo o uso de óleos vegetais para umectação, como o de abacate, por exemplo”, explica. Daniela Lisboa, do Floreal Clínica dos Cachos, e também blogueira do Encaracoladas, apoia esta iniciativa: “ Óleos vegetais são benvindos”.
Manu, que tem dois aninhos e adora seu cabelo crespo, é incentivada pela mãe |
Claudia Sciré acredita que mais do que covardia, passar alisante num cabelo infantil é um ato de falta de informação, porque os ingredientes destes produtos são altamente tóxicos e prejudiciais à saúde, e por isso, deveriam ter sua venda controlada, principalmente em salões de cabeleireiros. “Porém, muitas vezes, o alisamento de cabelos infantis acaba sendo realizado em casa, o que dificulta ainda mais a fiscalização e o controle. Ao meu ver, o acesso a estes produtos só deveria ser permitido a profissionais do ramo e deveria haver uma medida que proibisse os salões de realizarem este tipo de procedimento em menores de 18 anos”.
Georgia Pedro: vítima do preconceito de uma professora |
Georgia Pedro, blogueira e jornalista sentiu isso na pele: “Quando eu estava na 4ª série, uma professora de outra sala foi verificar o cabelo dos alunos. Aquele procedimento básico, pra ver quem tinha piolho.Isso era normal naquela época. Meu cabelo estava preso, a professora então olhou pra ele muito rapidamente. Para a menina que estava na minha frente, minha colega de cabelo liso, a mesma professora disse a seguinte frase: “Nossa, como é fácil olhar um cabelo desses!”. Pode não parecer nada, mas nunca me esqueço isso.”
Cabelo difícil, cabelo ruim e outras denominações usadas para discriminar os fios crespos são concepções construídas socialmente através de agentes sociais que possuem mais poder, me explicou a autora de Consumo Popular, Fluxos Globais. Para a socióloga, a ideia de cabelo ruim pode ser vista como uma construção de certo grupo social, que para se afirmar perante os demais, acabou conseguindo propagar esta ideia, devido ao poder de suas redes de relações: “poder político e também simbólico”, finaliza.
Georgia Pedro says:
Adorei a matéria. Parabéns mais uma vez, seu blog aborda assuntos super importantes e com muita riqueza de pontos e detalhes!
Sabrinah Giampá says:
Obrigada, Georgia. A sua história e de outras mulheres me servem de inspiração para abordar assuntos tão delicados. Bjks
Rhayhanne Schultz says:
Olá!!
O seu blog está lindo. Recebemos o primeiro selo do blog e te indicamos para ganhar um também, para ter acesso clique aqui: https://amigaschiquetosas.blogspot.com.br/2013/11/primeiro-selo-do-blog.html
Bjs
Sabrinah Giampá says:
Obrigada, Rhayhanne, pela indicação! Bjks