Casos de preconceito nas escolas é algo que não vem de hoje, principalmente quando é proveniente de aluno para aluno. A grande problemática, ao meu ver, é quando o preconceito parte não apenas dos alunos, mas dos professores, ou da própria instituição de ensino.
Me lembro que quando era adolescente, eu era usada como ponto de referência da sala por uma professora: – Você aí atrás da menina com cabelo de samambaia (Sim, esta era eu). Este tipo de situação, quando se torna parte da vida de uma criança pode ter um impacto muito grande no seu desenvolvimento (aprendizado) e inclusive na relação consigo mesma (autoestima). Como explica a psicóloga, Alba Dezan, os professores são os grandes objetos de identificação da criança. E tudo o que dizem ou fazem contribui para a internalização do mundo que a cerca e pela sua identificação. Portanto, se o professor(a) diz que cabelo bonito é cabelo liso, a criança que tem o cabelo cacheado ou crespo poderá pensar que não é bonita. “Isto porque o professor(a) se torna responsável pela sua construção identitária e, consequentemente, pela formação da autoestima”, explica.
Recentes casos como o do aluno de 16 anos que foi proibido de fazer sua rematrícula na escola por causa do cabelo black power, e da escola que enviou aos pais um comunicado estipulando que todas as meninas deveriam ir à festa com o ‘cabelo liso’ só contribuem para reforçar o fato de que a escola pode ser um dos piores lugares para uma criança crespa, principalmente se ela for negra, pois ao invés de estimular seu desenvolvimento e autoestima, pode fazer justamente o contrário.
Uma cliente da Garagem dos Cachos, a R. me relatou uma vez um preconceito monstruoso que sua filha I. na época com 6 anos, única negra da sala, sofreu na escola: “A professora abriu, no meio da sala, uma caixa cheia de acessórios para o cabelo. Enfeitou todas as meninas, mas quando chegou na vez de I. disse que não ia colocar nada pois não sabia mexer ‘neste tipo de cabelo’. R. só conseguiu descobrir o ocorrido porque pressionou I. que ficou cabisbaixa deste então. Mas por que os próprios educadores disseminam o racismo?
Segundo a educadora, Renata Gibelli, o trabalho docente, infelizmente, é um trabalho bastante isolado, fragmentado e com pouca reflexão sobre a prática. Os professores desenvolvem ações em sala de aula e nem sempre têm a oportunidade de divulgar, trocar com seus pares e contar com o feedback de um formador.
“Percebo na sala dos professores a forte presença do racismo ainda na dificuldade em mencionar a palavra negro ao se referir a um aluno ou colega. A familiaridade com a palavra e a frequência da pronúncia tem apresentado avanços. Porém, ainda está distante da facilidade em mencionar ‘aquela aluna loira’ ou ‘aquele aluno bem branquinho’. Outro ponto está nas expressões referentes aos cabelos: ‘cabelo fuá’, ‘cabelo bem ruinzinho mesmo’, ‘cabelo sujo que não dá para mexer’, ‘cabelo que mais parece um ninho’. Geralmente, quando se fala de cabelo, as professoras usam essas expressões para falar dos próprios cabelos ou do cabelo dos seus familiares”, explica.
Quando Renata assumiu seu cabelo natural, ouvir este tipo de expressão se tornou mais frequente: “A maioria dos colegas elogia meu cabelo e afirmam que gostariam de ter a mesma coragem para abandonar a progressiva e voltar ao cabelo natural. Quando questiono o motivo de não voltarem a usar o cabelo natural, volto a ouvir as expressões que citei e ainda: ‘o meu cabelo tem muito mais volume que o seu e não dá para usar solto’, ‘cabelo pode ser crespo até o nível do seu porque mais que isso fica feio’, ‘o meu cabelo é muito ruim mesmo e não consigo parar de alisar’, ‘cabelo crespo assim como o meu não dá para usar no trabalho’.”
Essa imagem que os educadores constuíram em relação aos próprios cabelos a fez pensar o quanto, direta ou indiretamente, estes devem transmitir aos alunos essa sua visão negativa sobre o cabelo crespo e tudo o que ele representa. “Imagem tão negativa ao ponto de, em uma mostra cultural, uma professora utilizar esponja de aço para confeccionar o cabelo crespo de alguns personagens que seriam expostos”.
Em contrapartida, já existem muitos educadores que buscam promover a iguladade racial e a valorização do cabelo crespo dentro da sala de aula. No trabalho que Renata desenvolve junto com alguns colegas, ela busca trazer aspectos da cultura afrobrasileira de modo bastante positivo. Ao invés de relacionar o negro à escravidão e passividade, como na maioria das vezes, os livros didáticos apresentam, ela busca apresentar o quanto da nossa cultura, do nosso jeito de ser e de se comportar são heranças do povo africano. “Em outras palavras, a ideia é não olhar a cultura afrobrasileira como exótica ou como algo que não nos pertence, mas sim, promover a apropriação”.
Lilian Damasceno que é educadora dentro de um outro contexto, museus e exposições, explica que a educação informal é atraente pela multiplicidade de temas que podem ser abordados e as inúmeras possibilidades de reflexão,ainda que o tema da exposição seja outro. Ela também busca promover a igualdade racial e valorização do cabelo crespo através dos seus exemplos e didática aplicada:
“Um dia, eu elogiei os cabelos de uma menina de oito anos e disse que eram cachos lindos. Ela respondeu que não gostava: -Esse cabelo é péssimo, eu nem posso pentear! – Como assim você não pode pentear?- “Ah, ele precisa estar muito molhado e precisa de creme. Minhas amigas levam pente pra escola e penteiam seus cabelos secos. E ficam lindos. O meu fica horrível!
Perguntei a ela se, por exemplo, nós duas fôssemos a uma festa, se poderíamos vestir a mesma roupa, do mesmo tamanho, com o mesmo comprimento e largura e ficarmos as duas bonitas. Ela parou, pensou um pouco e disse que não. Porque temos tamanhos diferentes, assim, ou a roupa ficaria maior em uma ou mais curta na outra e uma de nós não ficaria tão bonita. Perguntei, então, se nós nos vestíssemos, de modo diferente, com roupa diferente, haveria motivo pra dizer que não estávamos bonitas, e ela disse que não. E foi o que expliquei: – Exatamente! As pessoas se arrumam de maneiras diferentes, buscando, cada uma, ficar mais bonita pra si mesma. Se eu tentar me vestir igual você, exatamente igual, eu não vou ficar bem, porque estou tentando usar uma roupa de criança, que não me serviria. Com o cabelo é igual, seu cabelo precisa de água, o dela não. Vocês se arrumam de modos diferentes. E essa é a única coisa que te diferencia dela. Ela então se olhou no espelho, sorriu e eu recebi o abraço mais gostoso que ganhei na vida. Nesse dia ficou claro para mim que as crianças precisam de uma referência que conteste todas as influências negativas que recebem diariamente, e o educador também tem este papel”.
Tanto Lilian, como Renata, conseguem empregar noções de igualdade dentro da aprendizagem, o que as tornam educadoras diferenciadas. Acredito que os pais devem avaliar muito bem a instituição escolhida para a educação de seus filhos, investigando se há algum histórico de racismo e se a escola trabalha com uma metodologia pedagógica que valorize a diversidade e o trato das questões da diferença étnico-racial. Mudanças de comportamento também devem ser investigadas e em caso de constatar uma situação de preconceito, é primordial que uma denúncia seja feita, pois tratar o racismo com impunidade só contribui para que este continue sendo disseminado.
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