Camila Cuelho é Farmacêutica, formada pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM (2013). Atualmente é mestranda no Programa de Pós-Graduação de Ciências Farmacêutica na mesma universidade, onde possui um prêmio acadêmico internacional na sua área de atuação. Ela pesquisou a degradação proteica da fibra capilar ocasionada pela ação de xampus convencionais, a base de Lauril Sulfato de Sódio. Nesta entrevista, que concedeu ao blog Cachos e Fatos, ela fala sobre suas perspectivas e o porquê se tornou adepta da rotina Low Poo.

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A pesquisadora Camila Cuelho, da UFSM, que estudou os efeitos do sulfato da fibra capilar. Ela também é seguidora da rotina Low Poo

Sabrinah Giampá- O que te levou a pesquisar os efeitos do Lauril Sulfato de Sódio na fibra capilar?

Camila Cuelho – De acordo com alguns estudos que comprovam o potencial de degradação proteica e os danos que alguns tensoativos (agentes de limpeza), de forma isolada, causam à fibra capilar, nós decidimos estudar formulações completas de xampus e o seu potencial de degradação proteica, visto que nessas formulações há ingredientes que, em tese, minimizariam o dano capilar.

Sabrinah Giampá- Qual o objetivo primordial desta pesquisa?

Camila Cuelho- O Trabalho de Conclusão do Curso rendeu um artigo que já foi publicado e teve como objetivo comparar o perfil da perda proteica da fibra capilar por ação de formulações de xampus magistral e comercial; analisar a metodologia empregada comparando com outros métodos e comparar a influência da formulação no perfil de degradação proteica.

composição xampu 1

Na pesquisa de Camila, a formulação parecida com a de um xampu convencional, comprado em supermercados foi avaliado em relação a sua ação na perda de proteínas da fibra capilar. O principal agente de limpeza utilizado nessas fórmulas é o Lauril Sulfato de Sódio, bastante encontrado com a nomenclatura da foto: Sodium Laureth Sulfate.

Sabrinah Giampá- Por favor, nos explique a diferença entre o xampu comercial e o xampu magistral.

Camila Cuelho- Xampu magistral é o produto produzido por uma farmácia de manipulação, dentro de todas as atribuições que competem ao profissional farmacêutico dentro desse estabelecimento, como a garantia da qualidade dos produtos produzidos. A composição do xampu magistral usado na pesquisa foi composta por: lauril éter sulfato de sódio, dietanolamida de ácido graxo de coco, diestearato de polietilenoglicol 6000, solução de ácido cítrico a 30%, cloreto de sódio, solução conservante com propilenoglicol, essência, imidazolidinil uréia, lanolina etoxilada, extrato vegetal de babosa, corante, EDTA e água. Neste estudo, considerou-se o xampu comercial, aquele oriundo de uma produção ‘mais requintada’, no aspecto da utilização de ingredientes. Seriam os produtos produzidos pela indústria, como as marcas encontradas no supermercado, por exemplo. A composição do xampu comercial usado na pesquisa: lauril sulfato de sódio, lauril éter sulfato de sódio, diestearato de etilenoglicol, dimeticona, citrato de sódio, cocoamida monoetanolamina, xileno sulfonato de sódio, cocoamidopropil betaína, perfume, cloreto de sódio, ácido cítrico, benzoato de sódio, poliquatérnio 76, EDTA, pantenol, pantenil etil éter, metilisotiazolinona, metilcloroisotiazolinona e água.

xampu com espuma

A ideia da espumabilidade é um mito, pois age apenas como uma questão sensorial, remetendo o consumidor à ideia de limpeza. Porém, é o agente de limpeza que promove a limpeza da fibra capilar, e não a espuma

Sabrinah Giampá- Como foi elaborada essa pesquisa?

Camila Cuelho – Nós utilizamos mechas de cabelo castanho liso adulto e sem tratamento químico. Essas mechas foram inicialmente lavadas para remoção de gorduras ou outros resíduos que pudessem interferir no experimento. Na sequência, elas foram submetidas a ensaios de fricção para simular o processo de lavagem, totalizando 14 ciclos de lavagem. Em cada ciclo de lavagem as mechas foram molhadas com água destilada. Retirou-se o excesso de água da mecha; colocamos a mecha em um frasco e adicionamos o xampu (comercial e magistral); friccionamos a mechas com as mãos por 2 minutos com luvas de látex até a formação de espuma; mergulhamos a mecha em um frasco com água destilada (água de lavagem) sob agitação por 3 minutos, sendo utilizado o mesmo frasco em todos os ciclos de lavagens para conservar as proteínas liberadas nos outros ciclos. Por fim, removemos o excesso de espuma da mecha com água destilada em outro frasco e iniciou-se novamente o ciclo descrito com a mesma mecha até completar 14 ciclos. A cada 2 ciclos de lavagem retiramos uma parte desta água de lavagem para medir a quantidade de proteína perdida pela mecha.

cabelo ressecado

Cabelo ressecado, com perda proteica

O lauril é um surfactante muito utilizado em produtos de limpeza, por proporcionar uma boa formação de espuma. Em xampus ele pode causar ressecamento capilar, deixando-o opaco e difícil de manusear.

Sabrinah Giampá – E o que foi concluído com esse processo?

Camila Cuelho- Concluímos que o xampu comercial degradou menos que o xampu magistral, e as formulações testadas degradaram menos a fibra capilar que soluções de tensoativos (puros). Tais resultados, mostram que a formulação comercial, que continha agentes condicionantes, minimizou a degradação quando comparado à formulação magistral, que era uma formulação mais simples. Desta forma, reforça-se a importância dos ingredientes utilizados nas formulações, que possibilitam uma redução dos danos proteicos provocados por tensoativos sintéticos.

Sabrinah Giampá- E quais seriam essas substâncias?

Camila Cuelho- Agentes condicionantes que poderiam minimizar a degradação da fibra capilar, tais como: dimeticona e ciclometicone; pantenol, ácido cítrico.

Sabrinah Giampá – Os dois primeiros seriam silicones, certo? Na rotina No Poo eles são considerados uma maquiagem, por formar uma película no fio, que não permite com que esse absorva a água, que é o que hidrata, certo? Neste caso, não seria preferível usar um xampu a base de anfótero, que é um agente de limpeza mais suave, para abrir mão dessa substância?

Camila Cuelho- Sim são silicones. Estes ingredientes poderiam amenizar os danos à fibra, quando comparados a outros estudos que avaliaram o dano à fibra capilar usando tensoativo sintético puro (usando uma solução que continha APENAS lauril). A família de silicones, como os dimeticones, são hidrofóbicos (não interage com a água), desta maneira, formam uma barreira que envolve a fibra capilar. Entretanto, optar por formulações que contenham tensoativos anfóteros ou não-iônicos em associação com agentes condicionantes seria o ideal quando se busca um produto de cuidado e manutenção da fibra capilar.

cabelo bonito

Optar por formulações que contenham tensoativos anfóteros ou não-iônicos em associação com agentes condicionantes seria o ideal quando se busca um produto de cuidado e manutenção da fibra capilar.

Sabrinah Giampá – Então, associado com surfactantes pesados, o silicone poderia ser considerado um aliado, pois minimiza os efeitos da perda proteica no fio, isolando-o em parte dessa agressão. 

Camila Cuelho- Sim, no caso de uso de xampus com lauril sulfato de sódio, o silicone age como um aliado, e não um vilão, podendo até contribuir para manter a hidratação proporcionada por substâncias como Aloe Vera, Glicerina e Pantenol, presentes na composição, além de reduzir os danos protéicos causados pela ação do tensoativo.

Sabrinah Giampá – E no caso da parafina líquida e derivados de petróleo (óleos minerais)? É possível afirmar que estes realmente criam uma película no fio, o que não permite a absorção de água e por isso o cabelo fica pesado?

Camila Cuelho – Sim, os óleos minerais são mais ‘pesados’, e realmente impedem a absorção de água, o que prejudica o efeito umectante do pantenol, por exemplo. E tem também a questão ambiental e sustentável, sendo que os petrolatos são poluentes para o meio ambiente. Portanto, é preferível valorizar produtos que utilizem óleos vegetais como substitutos, pois penetram melhor nos fios e facilitam a hidratação.

oleo vegetal

Óleos minerais são mais ‘pesados’, e realmente impedem a absorção de água, o que prejudica o efeito umectante do pantenol, por exemplo. E tem também a questão ambiental e sustentável, sendo que os petrolatos são poluentes.. Portanto, é preferível valorizar produtos que utilizem óleos vegetais como substitutos, pois penetram melhor nos fios e facilitam a hidratação.

Sabrinah Giampá – Sua pesquisa concluiu que o sulfato ocasiona perda proteica. Por favor explique às leitoras do Cachos e Fatos qual o papel da proteína na fibra capilar?

Camila Cuelho- O cabelo humano pertence a um grupo de proteínas denominadas α-queratina. As queratinas são formadas por cadeias polipeptídicas e se distinguem de outras proteínas por seu alto teor de pontes de dissulfeto, provenientes do aminoácido cistina. Estas pontes formam uma rede tridimensional com alta densidade de ligações cruzadas, proporcionando ao cabelo uma alta resistência ao ataque químico. Ou seja, são essas camadas de queratina que protegem o fio. A redução destas ligações causa mudanças nas propriedades mecânicas do fio, deixando-o mais fraco e suscetível a danos.

Sabrinah Giampá – Quais os danos causados por esses surfactantes fortes nas camadas protéicas do cabelo?
Camila Cuelho – O lauril é um surfactante muito utilizado em produtos de limpeza, por proporcionar uma boa formação de espuma. Em xampus ele pode causar ressecamento capilar, deixando-o opaco e difícil de manusear. No entanto, a fricção dos cabelos, para fazer a espuma do xampu é o que mais danifica a fibra. Com esta abrasão, há levantamento e remoção de lascas da cutícula, o que deixa a fibra ainda mais suscetível à remoção de lipídeos e material proteico. O dano gerado pela lavagem com xampus ou solução detergente atinge diretamente as cutículas. E não só xampus causam danos, radiação solar, forte atrito ao desembaraçar, água de piscina, alisamentos físicos e químicos, descoloração e tingimento, temperatura da água também degradam os cabelos.

esfregar

O lauril é um surfactante muito utilizado em produtos de limpeza, por proporcionar uma boa formação de espuma. Em xampus ele pode causar ressecamento capilar, deixando-o opaco e difícil de manusear. No entanto, a fricção dos cabelos, para fazer a espuma do xampu é o que mais danifica a fibra.

Sabrinah Giampá- Quais os efeitos do sulfato a longo prazo? Traz danos para saúde além de corromper a fibra capilar?

Camila Cuelho – A longo prazo, o lauril pode causar uma leve irritação na pele. No entanto, isto depende de vários fatores, como a concentração, o modo e o local de aplicação e o tempo de exposição.

Sabrinah Giampá- Mas o que seria mais saudável: buscar um produto a base de lauril sulfato de sódio com silicones, ou um produto com um tensoativo suave a base apenas de substâncias naturais como pantenol, glicerina e aloe e vera, que ajudam a reter a água sem encapsular o fio, como é proposto nas rotinas No Poo/Low Poo, já ouviu falar delas?

Camila Cuelho – Sim, sou adepta da rotina Low Poo, embora ainda faça outras intervenções químicas. Acredito que esta é uma tendência que cresce, cada dia mais, tanto entre os consumidores quanto na indústria. A substituição parcial ou total de sulfatos por tensoativos menos agressivos, em formulações, contribui positivamente para a saúde dos cabelos. Além disso, sabe-se que os tensoativos sintéticos podem causar sérios danos ambientais. Com isso, vêm sendo difundido e pesquisado tensoativos de origens naturais, que além de produzirem menos impactos ambientais, se aliam ao cuidado e manutenção da fibra, apresentando características desejáveis para uma boa formulação. Inclusive, nós estamos desenvolvendo pesquisas nessa linha.

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A marca vegana Multi Vegetal segue uma proposta sustentável que foca não apenas na saúde dos fios, mas no cuidado com o meio ambiente

A substituição parcial ou total de sulfatos por tensoativos menos agressivos, em formulações, contribui positivamente para a saúde dos cabelos. Além disso, sabe-se que os tensoativos sintéticos podem causar sérios danos ambientais. Com isso, vêm sendo difundido e pesquisado tensoativos de origens naturais, que além de produzirem menos impactos ambientais, se aliam ao cuidado e manutenção da fibra, apresentando características desejáveis para uma boa formulação.

Sabrinah Giampá – O que sugere para substituir este agente de limpeza tão agressivo que é o Lauril Sulfato de Sódio?

Camila Cuelho- Afim de substituir o uso do sulfato nas formulações, é preferível tentar encontrar nos rótulos, ingredientes naturais e tensoativos não-iônicos (coco glicosídeo) e anfóteros (betaínas).

Sabrinah Giampá- Explique melhor a diferença entre ambos

Camila Cuelho- Os tensoativos mais utilizados em xampus seriam os anfóteros e os aniônicos. Os não iônicos são utilizados em cremes e loções, sendo utilizados em xampus apenas como tensoativos secundários, conferindo suavidade à formulação. São as alcalonamidas de ácido graxo de coco.
Os tensoativos aniônicos (os mais agressivos) são os mais utilizados na formulação de xampus. Entre eles estão: os alquil sulfatos, alquil éter sulfatos e os sulfonados. Encontramos nos rótulos como: Lauril sulfato de sódio; Lauril sulfato de trietanolamina; Lauril sulfato de monoetanolamina ; Lauril sulfato de amônio.
Os tensoativos anfóteros (os mais suaves) conferem leve ação condicionadora, possuem baixo poder espumógeno e baixa reserva de viscosidade. Encontramos como: cocoanfocaboxiglicinato, cocobetaína, coco amido propil betaína.

cabelo ressecado e tratado

A primeira foto mostra um cabelo com perda protéica, na maioria das vezes causada por surfactantes pesados e processos químicos, como a descoloração A segunda mecha já mostra um cabelo onde as camadas de queratina(proteína) estão preservadas, o que se traduz num cabelo saudável.

Sabrinah Giampá – Por que a indústria cosmética usa em larga escala um tensoativo tão prejudicial, sendo que promete cabelos lindos, esvoaçantes e hidratados?

Camila Cuelho- A utilização dos tensoativos sintéticos, como o lauril sulfato de sódio é pelo alto poder espumógeno e de limpeza. Porém, a indústria já vêm se adaptando a essa crescente tendência, da substituição desses tensoativos por outros menos agressivos, e investindo alto na sustentabilidade.

Sabrinah Giampá – Há alguma relação da espuma com o poder de limpeza?

Camila Cuelho – A ideia da espumabilidade é um mito, pois age apenas como uma questão sensorial, remetendo ao consumidor a ideia de limpeza. Porém, é o agente de limpeza que promove a limpeza da fibra capilar, e não a espuma. São fatores independentes.

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Os cabelos crespos têm uma proteção natural reduzida, ou seja, menos camadas de cutículas, quando comparado ao liso, exigindo mais cuidados. O uso de xampus com esses tensoativos podem sim danificar bem mais os cabelos crespos.

Sabrinah Giampá – Sua pesquisa foi feita com cabelos lisos naturais. Acredita que no caso dos crespos, os fios seriam mais prejudicados devido ao formato espiralado, que já não permite que a proteção natural chegue até as pontas?

Camila Cuelho – Sim, os cabelos crespos têm uma proteção natural reduzida, ou seja, menos camadas de cutículas, quando comparado ao liso, exigindo mais cuidados. O uso de xampus com esses tensoativos podem sim danificar bem mais os cabelos crespos.

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