Meu nome é Joyce, tenho 20 anos, sou de Sorocaba e moro em São Paulo, onde faço faculdade. Mas a minha história teve início há muito tempo atrás. As lembranças que tenho das minhas primeiras Barbies, são de tentativas, por horas a fio, de enrolar o liso cabelo delas. Aquela boneca loira, magra, de cabelo escorrido, em nada me representava, e no auge dos meus 5 ou 6 anos, de cabelo enrolado, eu já sentia isso.

Eu lembro também que passava horas chorando quando precisava arrumar o cabelo para ir à escola, e pedia para que meu pai puxasse meu rabo de cavalo o máximo que ele conseguisse, pois na minha inocência, se ele puxasse o suficiente, talvez um dia meu cabelo alisasse por conta própria.

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Aos 9 com seus cachinhos: as barbies não a representavam

Talvez, minha única referência de cabelos cacheados nessa época, além da minha irmã mais velha, fosse a Ana Paula Arósio. No mais, me recordo apenas de comerciais antigos de shampoo para cabelos lisos, onde o armado era tido como feio. Imagine só, em plena infância ser bombardeada de padrões e me sentir cobrada por eles, ainda que as propagandas não fossem voltadas para o público infantil.

Passamos para minha adolescência. Minha mãe, após inúmeras tentativas vãs de conseguir me convencer que meu cabelo era lindo do jeito que era, finalmente comprou uma chapinha. Aquilo foi o ápice da felicidade: imagine só poder esquentar minhas madeixas todos os dias e alisá-las em casa? Logo a chapinha tornou-se minha companheira e acabou se tornando item obrigatório das minhas malas – mesmo que a viagem fosse à praia.

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Eu lembro também que passava horas chorando quando precisava arrumar o cabelo para ir à escola, e pedia para que meu pai puxasse meu rabo de cavalo o máximo que ele conseguisse, pois na minha inocência, se ele puxasse o suficiente, talvez um dia meu cabelo alisasse por conta própria.

Eu sentia que pela primeira vez na vida as pessoas me levavam à sério. Eu pensava que não tinha sorte com o sexo oposto, nas primeiras desilusões amorosas, por culpa do meu cabelo. Eu culpava meu cabelo por não gostar do que via no espelho, o culpava por não gostar de piscina e praia e o culpava por ter uma autoestima tão dilacerada.

E após 2 anos de chapinha todos os dias, um cabelo fraco e sem vida, fiz minha primeira escova progressiva. Eu já havia feito relaxamento, mas ainda não tinha alcançado meu objetivo, que era um cabelo escorrido. A primeira vez – que maravilha! – cabelos lisos, sedosos, do jeito que eu queria. Pela primeira vez na vida cortei franja. Me sentia bonita e moderna. Depois veio a segunda, a terceira… Mas uma coisa que ninguém te conta sobre as químicas, é que nem sempre seu cabelo responde bem a todas elas.

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Eu sentia que pela primeira vez na vida as pessoas me levavam à sério. Eu pensava que não tinha sorte com o sexo oposto, nas primeiras desilusões amorosas, por culpa do meu cabelo. Eu culpava meu cabelo por não gostar do que via no espelho, o culpava por não gostar de piscina e praia e o culpava por ter uma autoestima tão dilacerada.

Primeiro, meu cabelo começou a sofrer pequenas alterações na cor. As pontas atingiram uma coloração esverdeada, não tinha balanço e nem vida. E depois, aos 15 anos, experimentei o corte químico. Todo o topo do meu cabelo parecia ter sido cortado em formato ‘tigelinha’, e o que sobrou comprido havia se tornado fraco e minguado. Mas não, o problema não foram as químicas! Troquei de cabeleireira, afinal, ela não deveria estar usando os produtos certos. Demorou 3 anos para que meu cabelo tivesse um aspecto saudável novamente, embora ele quase nunca atingisse os ombros, devido a um crescimento muito pequeno.

Vieram os vestibulares, a aprovação em Medicina. Aos 18 anos eu ingressava no curso mais elitizado e concorrido do Brasil – e eu, advinda da periferia, era a definição de peixe fora d’água. Eu queria me enturmar, queria estar entre as pessoas populares e bonitas, e eu continuava achando que jamais faria amigos se minha aparência fosse diferente do que era padrão. Cacheadas ou crespas na faculdade, eu poderia contar nos dedos. Mais uma vez, eu achava que meu cabelo poderia ser um empecilho nas minhas relações interpessoais. Até que comecei a notar que algumas amigas do ensino médio resolveram assumir seus cabelos naturais.

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Vieram os vestibulares, a aprovação em Medicina. Aos 18 anos eu ingressava no curso mais elitizado e concorrido do Brasil – e eu, advinda da periferia, era a definição de peixe fora d’água. Eu queria me enturmar, queria estar entre as pessoas populares e bonitas, e eu continuava achando que jamais faria amigos se minha aparência fosse diferente do que era padrão.

Eu achava aquilo a coisa mais fantástica do mundo, no fundo sentia um pouco de inveja, pois achava que se parasse de alisar meu cabelo, ele jamais seria bonito como os delas. Foi quando uma amiga, a Mayara (pessoa maravilhosa com quem compartilhei as dores e amores da transição e a quem sou muito grata) me adicionou em alguns grupos no Facebook sobre cachos, transição, alguns até com uma pegada feminista. E além da Mayara, a Giovanna, minha pessoa favorita no mundo, que não deixava de dizer o quanto eu era linda, que meu cabelo ia ficar maravilhoso e que ela sempre estaria lá (mulheres da minha vida, deixo aqui meu muito obrigada!).

Nessa altura, eu já havia tentado iniciar a transição uma vez, mas em 3 meses o susto da raiz foi imenso e resolvi alisar de novo. Na segunda vez, joguei a ideia em um grupo de amigas da faculdade onde algumas foram veementemente contra e outras apenas deixaram de opinar. Novamente, corri para o salão.

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Comecei a perceber, então, que eu não me preocupava com o que eu achava da minha aparência, mas sobre a ideia que outras pessoas poderiam ter de mim. Nesses aspectos, o feminismo foi uma das chaves mais importantes, pois me descobri escrava de um padrão e não conseguia mais me ver presa nisso, tinha a ânsia de ser livre, mas tinha um peso nas costas.

Comecei a perceber, então, que eu não me preocupava com o que eu achava da minha aparência, mas sobre a ideia que outras pessoas poderiam ter de mim. Nesses aspectos, o feminismo foi uma das chaves mais importantes, pois me descobri escrava de um padrão e não conseguia mais me ver presa nisso, tinha a ânsia de ser livre, mas tinha um peso nas costas.

Percebi que se eu realmente quisesse quebrar os estereótipos, estava na hora de eu servir de exemplo para outras pessoas. De repente, me deu uma angústia danada de pensar que talvez, hoje, outras crianças, adolescentes e adultas, vissem os padrões esmagarem sua autoestima. Decidi então, que eu podia fazer minha parte e a faria.

Na mesma época, conheci o Paulo, meu atual namorado, a quem também sou eternamente grata – afinal, não precisamos ter aprovação de ninguém, mas ter pessoas próximas que nos apoiem é, sem dúvidas, um conforto e uma fonte de força quando necessitamos. Quando eu disse que faria a transição, ele simplesmente foi a pessoa mais doce do mundo.

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Logo de início, cortei 10 cm do meu cabelo e deixei ele curtíssimo, sem ainda fazer o big chop (grande corte). Foram 6 meses de muita raiva, muitas lágrimas em frente ao espelho, muitas texturizações que não deram certo, muitas perguntas maldosas, muitos produtos novos que não ajudavam.

Então, em junho de 2015, eu comuniquei a todos em casa que ia fazer a transição. Logo de início, cortei 10 cm do meu cabelo e deixei ele curtíssimo, sem ainda fazer o big chop (grande corte). Foram 6 meses de muita raiva, muitas lágrimas em frente ao espelho, muitas texturizações que não deram certo, muitas perguntas maldosas, muitos produtos novos que não ajudavam, mas também de muita compreensão e amor vindo de pessoas como meus pais, Mayara, Giovanna e Paulo, que em todas as crises acabaram por me ajudar a ser firme.

Em dezembro de 2015, chegou o grande dia. Eu não via a hora de me livrar das pontas lisas, dos dias quentes de chapinha, daquela dor de barriga quando olhava no espelho. Eu nunca imaginei que fosse me sentir tão bem em toda minha vida. Quando olhei no espelho, parecia que eu havia me reencontrado – eu via uma imagem que condizia com a minha personalidade, com minhas ideias. Eu via no espelho a imagem que por anos eu tentei apagar.

E hoje, após 1 ano do início dessa jornada, eu só consigo sentir amor pelo meu cabelo e por mim mesma. Eu olho no espelho e vejo uma mulher bem resolvida, segura e, mais do que isso: eu vejo representatividade. Quero que, se um dia eu tiver uma filha, uma sobrinha, ela olhe para mim e se sinta bem consigo mesma, que se sinta livre. Esse é meu único desejo: que todas nós tenhamos a liberdade de nos sentirmos bonitas sempre. Isso é tudo.

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