Meu cabelo, minha história: S.T.* – “Quando fiz 6 anos, minha vó me levou para um passeio e voltei alisada”
sabrinah /” Crescer em uma sociedade regada de preconceito não é nada quando sua família te orienta a quebrar esses paradigmas e se aceitar. O que aconteceu comigo e com minha irmã Carolina**, foi justamente o oposto. Embora, minha mãe, que é negra, tentasse valorizar nossas raízes africanas, na do meu pai, o preconceito vinha a todo o vapor.
Cresci ouvindo que meus seios e bunda eram grandes e feios, pois eram herença da minha avó materna negra. Isso sem contar o que ouvi em relação ao meu nariz: que era tido como enorme e horrível. Meu cabelo, claro, não podia ficar de fora, era taxado de bombril, fuá. Como morávamos no quintal de nossa avó paterna, ficava difícil não ouvir frases preconceituosas diariamente.
Certa vez, quando tinha dois anos e brincava com meu amiguinho da época, um vizinho negro, fui repreendida pela minha avó: – Não brica com ele não filha, ele tem a cor feia . Nesta mesma hora, me lembro que minha mãe interviu, dizendo que não podia ter preconceito étnico pois eu era negra, assim como ela.
Por outro lado, eu e meus irmãos, havíamos internalizado estes preconceitos, pois sempre ‘brincávamos’ de forma ingênua com isso, dizendo que o nariz de batata e o cabelo crespo era herança de nossa mãe, sendo que o restante de nossa descendência era indígena e portuguesa.
Um belo dia, quando fiz seis anos, minha avó saiu comigo, e para a surpresa da minha mãe, voltei deste passeio,alisada. Às escondidas, ela havia me prometido um visual lindo e perfeito, que era justamente o contrário do que eu era. Para minha mãe que sempre foi calada, restaram lágrimas e raiva. Dessa forma, cresci odiando meu cabelo e meu corpo, que eu tentava esconder usando roupas com tamanhos maiores.
As dobrinhas e sobrepeso foram decorrentes das vitaminas que minha vó me dava escondido da minha mãe, para engordar. Elas fizeram efeito aos nove anos, época em que a Carolina**nascia. Foi quando tive um distúrbio de peso e ganhei o apelido de ‘Gisele Bucho” da mesma vó. Nesta fase, passei a interagir mais com homens e usar roupas do meu pai, em conjunto com boné e pochete. Afinal, gorda e feia daquele jeito, que menina iria querer brincar comigo?
Essa fase durou até uns 17 anos, quando comprei meu primeiro short e passei a usar roupas femininas. Neste mesmo período, me cansei de ter minha raíz queimada com produtos fortíssimos, para deixá-los alisados. Revolvi assumir meus cachos, e com eles, comecei a resgatar a autoestima perdida.
Passei pela transição tranquilamente, e nesse meio tempo comecei a aceitar meu corpo, o nariz batatinha, a bunda e os seios avantajados, o sorriso largo e até o astigmatismo. Quando fiz o big chop, foi a fase que eu e minha irmãzinha mais nos aproximamos. Ela ouvia as mesmas frases preconceituosas de minha avó, que ouvi quando era criança, mas a diferença é que ela cresceu ouvindo de mim e da minha mãe que seus cachos eram lindos. E quando assumi os meus, foi maravilhoso para ela. Foi então que em 2014, a intromissão da minha avó paterna mudou tudo mais uma vez.” (Mas essa história, da irmã de S.T.*, Carolina** , de 13 anos, vocês só ficarão conhecendo no post de quinta-feira.)
*S.T. é uma sigla criada para preservar a identidade da autora, que autorizou apenas a publicação das fotos e história
**O nome da irmã também foi alterado pelo mesmo motivo.
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