Foi no Candomblé, que esta baiana, de Feira de Santana, encontrou forças para resgatar suas raízes, o orgulho pela raça negra e fazer as pazes com seu crespo imponente, recém liberto das imposições sociais.Se fosse um orixá, Lely Ávilla seria Oyá, pois não aceita afrontas e encara qualquer desafio com a cabeça erguida. 
Escrava do alisamento desde os três anos de idade
( repetindo: 3 anos de idade!), devido a não aceitação materna, aprendeu a conviver com o preconceito, embora sua alma clamasse por liberdade. Liberdade essa, que foi conquistada ano após ano, mesmo quando começou a lidar com piadinhas maldosas ligadas a sua etnia e homossexualidade.
Aos 17 anos, idade que tem agora, se sentiu obrigada a sair da casa da mãe, para que pudesse viver sua vida livre das ‘normas do socialmente aceito’, aquelas mesmas normas que nos ditam como devemos ser, agir e se comportar perante o mundo. As mesmas normas que anulam nossos ideais e a nossa noção de identidade. As mesmas normas que dizem que o crespo é inadequado e que a homossexualidade é doença.  As mesmas normas que nos fazem deixar de existir e coexistir através de fantasmas irreais. Cheia de personalidade, Lely Ávilla está bem longe de ser um fantasma.Confira a entrevista:
Sabrinah Giampá- Atualmente você se mostra orgulhosa do seu cabelo natural. Usa e abusa de penteados, como tranças e turbantes, que remetem às suas origens africanas. Sua relação com seu cabelo sempre foi assim, saudável?
Lely Ávilla –  De maneira alguma. Antes de assumir os meus fios naturais, eu usava meu cabelo alisado e fazia escova duas vezes por semana. Eu era do tipo ‘doente’, qualquer raíz crescidinha, ia lá e colocava química no cabelo.
Sabrinah Giampá – Que tipo de química você usava?
Lely Ávilla – Passei 13 anos da minha vida alisando. Meu último alisamento foi no dia 07 de junho de 2012. Meu cabelo já estava muito debilitado devido ao excesso de guanidina e escova com formol. Até mega hair eu havia feito para dar volume, pois estava com muito pouco cabelo, estava muito ralo mesmo.

Lely Ávilla: alisamentos
desde os três anos de idade
“Antes de assumir os meus fios naturais, eu usava meu cabelo alisado e fazia escova duas vezes por semana. Eu era tipo ‘doente’, qualquer raiz crescidinha, ia lá e colocava química no cabelo(…) Passei 13 anos da minha vida alisando. Meu último alisamento foi em junho de 2012. Meu cabelo já estava muito debilitado devido ao excesso de guanidina e formol. Até mega hair eu havia feito para dar volume, pois estava com muito pouco cabelo, estava muito ralo mesmo.”
Sabrinah Giampá – E foi nesse momento que decidiu partir para o Big Chop? Teve um período de transição?
Lely Ávilla – Fiz o Big Chop há mais ou menos um ano e três meses, mas não tive transição na verdade. Eu tinha feito o relaxamento com guanidina no mês de junho do ano passado, e em agosto do mesmo ano fiz o grande corte. Me lembro que queria fazer tranças embutidas, aquelas fininhas de nagô, mas meu cabelo estava tão estragado devido às químicas, que não aguentou. Só consegui fazer as tranças na parte da frente, mas ficou horrível, porque atrás ficaram aquelas pontas alisadas, finas e muito quebradiças.  Depois que terminei de trançar, percebi que o único jeito que tinha para ele melhorar, era cortando. Então, eu mesma peguei a tesoura e comecei a cortar, com a ajuda de uma prima. Este foi o começo de tudo.
Sabrinah Giampá – Imagino que não tenha sido fácil passar pelo Big Chop
Lely Ávilla – Não foi. Eu chorava muito. Depois que terminei, ainda tinham umas pontas lisas, mas acabei deixando pra não ficar muito curto, e dava pra disfarçar. Quando olhei no espelho, percebi que estava melhor que antes, mas eu ainda não conseguia aceitar aquele cabelo. Era como se não combinasse com meu jeito de ser, nem com a minha roupa. Eu passei a noite inteira chorando. Me lembro que era uma quinta-feira, e que só tive coragem de sair na rua na segunda.

“Depois que terminei de trançar, percebi que o único jeito para ele melhorar, era cortando. Então, eu mesma peguei a tesoura e comecei a cortar, com a ajuda de uma prima(…) Eu chorava muito. Depois que terminei, ainda tinham umas pontas lisas, mas acabei deixando pra não ficar muito curto, mas dava pra disfarçar”. 

Sabrinah Giampá – E como foi sair na rua após o big chop?
Lely Ávilla – Nesse dia, a primeira pessoa conhecida que me viu com o cabelo natural foi um menino, e ele disse: –  É você mesma?  Ficou diferente… – Daí eu perguntei: – Diferente bonito ou diferente feio? –  e ele me respondeu: -Tá mais bonita! Eu estudava pela manhã, e antes de chegar à escola, liguei pra uma amiga pra dizer o que tinha acontecido, criei coragem, e fui. Chegando lá, ela e as outras meninas, olharam o meu cabelo e disseram que estava bonito, que havia ficado melhor que antes. Alguns outros colegas também disseram a mesma coisa, mas por outro lado diziam que meu rosto era bonito, e isso ajudava bastante.  Sendo assim, foi difícil me convencer disso.
Sabrinah Giampá – Por que foi difícil?
Lely Ávilla – Muita gente me olhava feio na rua e na escola, que era o único lugar que eu ia. Faziam comentários inúteis e riam, até minha mãe fazia isso.  Sofri muito preconceito, inclusive dentro de casa. Depois eu comecei a sair novamente e continuei recebendo muitas críticas, mas eu não aceitava , fingia que não me importava e dava aquela resposta que ninguém gosta de ouvir!

“Quando olhei no espelho, percebi que estava melhor que antes, mas eu ainda não conseguia aceitar aquele cabelo. Era como se não combinasse com meu jeito de ser, nem com a minha roupa. Eu passei a noite inteira chorando. Me lembro que era uma quinta-feira, e que só tive coragem de sair na rua na segunda”

   

Sabrinah Giampá – Então o preconceito faz parte da sua história
Lely Ávilla – O preconceito faz parte de minha história desde sempre. Tive que aprender a lidar com isso cedo. Eu mesma não aceitava a raíz do cabelo alta. Me sentia feia , não queria me olhar no espelho, evitava sair e chorava muito. Fazia de tudo pra resolver o que pra mim era um problema.
Sabrinah Giampá – Imagino que durante a infância tenha sido ainda mais difícil
Lely Ávilla- Sem dúvidas. Na minha infância, sempre estudei em escolas particulares, onde tinham muito mais crianças brancas de cabelo liso do que negras e crespas como eu, e nessa mundinho, as negrinhas nunca eram benvindas.  Pra você ter uma ideia, eu não lembro do meu cabelo sem química quando criança, isso porque comecei com os alisamentos muito cedo, acredito que com três ou quatro anos de idade. Quando eu fui crescendo, naquela fase de menina vaidosa, eu não queria parar de alisar mesmo. Até que um dia, com uns nove anos, havia ficado uns quatro meses sem fazer o relaxamento, e a cabeleireira me disse: – Olha o seu cabelo natural como é lindo, teria coragem de cortar essa parte lisa toda pra deixar crescer o crespo? Eu respondi: – Ficar igual a um menino? Nem pensar!

” Eu mesma não aceitava a raíz do cabelo alta. Me sentia feia , não queria me olhar no espelho, evitava sair e chorava muito. Fazia de tudo pra resolver o que pra mim era um problema”.
Sabrinah Giampá – Você começou os alisamentos numa idade em que dificilmente teria autonomia para tomar uma decisão dessas, e por isso, imagino que essa iniciativa partiu de algum familiar. Como era naquela época e como é agora a relação da sua família com o seu cabelo, que afinal, faz parte da sua identidade e representa quem você é e suas origens étnicas e culturais?
Lély Avilla – Minha avó e duas tias maternas super apoiam o meu natural, inclusive, elas próprias já estão voltando ao natural. Já minha mãe, nunca me apoiou, ela não gosta de ‘cabelo duro’. Ela me critica o tempo todo. Sempre me pergunta se eu não tenho vergonha de usar esse ‘cabelo duro’ assim. Mas esse não foi o único motivo de sair da casa dela. Em casa, o preconceito que sofri e sofro ainda hoje, não é apenas em relação ao meu cabelo crespo, é relacionado também com a minha sexualidade e religião. Minha mãe já chegou a me dizer que preferia ter filha puta do que lésbica, e hoje ainda é muito difícil pra mim tocar nesse assunto.
Sabrinah Giampá – Então, além de lidar com o preconceito constante em relação ao seu cabelo, ainda tem que lidar com o preconceito em torno da sua sexualidade…
Lely Ávilla – O preconceito que sofro não é apenas étnico. Sou lésbica assumida e a minha sexualidade também afeta essa tal sociedade que acha que tudo tem que ser do jeito que eles querem, ou que eles acham que é o certo.


“Sempre estudei em escolas particulares, onde tinham muito mais crianças brancas de cabelo liso do que negras e crespas como eu, e nesse mundinho, as negrinhas nunca eram benvindas.  Não lembro do meu cabelo sem química quando criança, isso porque comecei com os alisamentos muito cedo, acredito que com três ou quatro anos de idade. Quando eu fui crescendo, naquela fase de menina vaidosa, eu não queria parar de alisar mesmo”. 

     

Sabrinah Giampá – Suas referências maternas não foram boas, e pelo que me contou, na época do seu big chop, sua avó e tias ainda não haviam feito as pazes com o cabelo natural. Nesse caso, o que contribuiu para que interrompesse os alisamentos?
Lely Ávilla –  Nada contribuiu, até porque foi uma coisa de momento. Assim como a minha mãe, meu pai também não gosta de cabelo crespo, então eu aprendi a não gostar. Achava bonito nos outros e tudo mais, mas foram poucas as vezes em que me imaginei com o cabelo de origem.
Sabrinah Giampá- E hoje, pelo visto, sua relação com seu cabelo natural mudou completamente. Como foi essa mudança?
Lely Ávilla – Hoje eu me aceito completamente. Sou apaixonada por mim mesma e pelo meu crespinho rsrs.  Minha mudança foi externa e interna, até porque não adianta mudar por fora e deixar tudo bagunçado por dentro.

Lely: o preconceito faz parte do dia a dia


“Em casa, o preconceito que sofri e sofro ainda hoje, não é apenas em relação ao meu cabelo crespo, é relacionado também com a minha sexualidade e religião. Minha mãe já chegou a me dizer que preferia ter filha puta do que lésbica, e hoje ainda é muito difícil pra mim tocar nesse assunto.”

Sabrinah Giampá – O preconceito acabou ou aprendeu a lidar com ele?
Lely Ávilla – Ouço até hoje piadinhas em voz alta sobre o meu cabelo, e sinceramente, já cansei. Aprendi a não dar ouvidos ao que não me faz bem. O que me levou a autoaceitação foi constatar o óbvio: Não nasci de cabelo liso, portanto, eu tenho que aceitar e gostar de mim do jeito que eu sou. E assim foi feito!
Sabrinah Giampá – Percebo que o fenômeno do big chop, que levou as mulheres negras a rasparem a cabeça e assumirem os fios naturais nos EUA, aos poucos vem ganhando força no Brasil. Eu gostaria de saber se na Bahia, isso já está acontecendo?
Lely Ávilla – Aqui na minha cidade não, o povo é meio que ‘sem cultura’, e  uns até olham estranho quando vêem um cabelo afro. Mas em Salvador (capital) já tem muitas crespas/cacheadas assumidas.

“Assim como a minha mãe, meu pai também não gosta de cabelo crespo, então eu aprendi a não gostar. Achava bonito nos outros, mas foram poucas as vezes em que me imaginei com o cabelo de origem. Hoje, sou apaixonada pelo meu crespinho.  Minha mudança foi externa e interna, até porque não adianta mudar por fora e deixar tudo bagunçado por dentro.”

Sabrinah Giampá – Você me disse que canta desde pequena e que pensa seriamente em viver da música. Imagino que a autoaceitação tenha contribuído para impulsionar ainda mais essa veia artística, até porque todo artista depende da crença em si mesmo para que consiga conquistar um público cativo.
Lely Ávilla – Sempre gostei de samba e MPB e desde pequena tenho vontade de viver de música. Costumava frequentar karaokês com a família, principalmente, com minha mãe, mas é claro que meu novo estilo fez com que eu olhasse ainda mais pra música, só que agora é com olhos de adoração! E como acredito mais em mim, sempre digo: Sou uma Di-va! rss
Sabrinah Giampá-  Vejo sua história como um grande exemplo de superação. Além do preconceito enraizado no âmbito familiar, ainda teve que lidar com a falta de referências positivas na mídia. Uma pesquisa publicada recentemente, que acabou virando uma matéria para esse blog, apontou que a maioria das pessoas enxerga mais mulheres de cabelo liso na TV, mas que gostaria de ver mais mulheres com cabelo crespo em evidência. Você concorda com isso?
Lely Ávilla – Certeza que sim. As pessoas estão acostumadas com coisas artificiais. Acho que os negros deveriam ser mais inclusos em comerciais e novelas. Ainda temos pouquíssimas referências, mas enfim, o preconceito está em toda a parte, não dá pra fugir dele.

“Ouço até hoje piadinhas em voz alta sobre o meu cabelo, e sinceramente, já cansei. Aprendi a não dar ouvidos ao que não me fará bem. O que me levou a autoaceitação foi constatar o óbvio: Não nasci de cabelo liso, portanto, eu tenho que aceitar e gostar de mim do jeito que eu sou. E assim foi feito!”
Sabrinah Giampá – Você me disse que namora. Qual foi a reação da sua parceira em relação a sua mudança? Se sentiu apoiada?
Lely Ávilla – Quando cortei o cabelo, estávamos separadas, mas agora, que estamos juntas novamente, ela parece gostar sim.
Sabrinah Giampá – Ela também tem cabelo crespo?
Lely Ávilla – Não, não tem cabelo crespo, e só é negra na cabeça dela rsss
Sabrinah Giampá – Acredita que seguir uma religião de origem africana também contribuiu para resgatar suas origens e o amor pela sua cor e seu cabelo?
Lely Ávilla – O candomblé ajuda muito, e hoje posso dizer que tenho muito orgulho da minha cor, da minha raça. Já segui outra religião, e também segui religião nenhuma. Minha relação com o candomblé começou com uma curiosidade, que acabou virando admiração.

” Acho que os negros deveriam ser mais inclusos em comerciais e novelas. Ainda temos pouquíssimas referências, mas enfim, o preconceito está em toda a parte, não dá pra fugir dele.”

Sabrinah Giampá-   Como você estiliza seu cabelo? Conhece as rotinas low poo/no poo? Que produtos usa atualmente?
Lely Ávilla – Costumo fazer penteados com tiaras, tranças nagô e turbantes. Conheço a rotina low poo/no poo, mas não sou seguidora. Estou sempre trocando de produtos. Agora tô usando o xampu e condicionador de tutano da Hair Fly, um creme de hidratação à base de óleo de argan, que esqueci a marca, e um creme de pentear da Nutri Hair. Também adoro óleos vegetais.

Lely costuma estilizar o cabelo
com o creme da Nutri Hair
Sabrinah Giampá- Acha que dá trabalho estilizar seu cabelo? Como aprendeu a cuidar dele?
Lely Ávilla – Trabalho? Imagina! É só ter um pouco de paciência e entender o que o cabelo gosta que está tudo certo. Aprendi a cuidar dele olhando os vídeos das vlogueiras crespas. Tive e ainda tenho a Rosângela José como musa inspiradora.
Sabrinah Giampá- Qual o seu penteado favorito? Vi a foto com turbante e pirei. É adepta dos penteados étnicos?
Lely Ávilla – Eu costumo usar ele preso de ladinho poque é mais rápido, mas quando vou sair e tenho tempo, sempre faço tranças nagô desenhadas.
Ah! Eu sou louca por turbantes! Também adoro aqueles penteados que dão aparência de que o cabelo é ainda mais cheio.

“Trabalho? Imagina! É só ter um pouco de paciência e entender o que o cabelo gosta que está tudo certo. Aprendi a cuidar dele olhando os vídeos das vlogueiras crespas. Tive e ainda tenho a Rosângela José como musa inspiradora(…) Eu costumo usar ele preso de ladinho poque é mais rápido, mas quando vou sair e tenho tempo, sempre faço tranças nagô desenhadas.”

Sabrinah Giampá – No mundo dos crespos e cacheados, volume é sempre mais!  Se você fosse deixar um recado para outras meninas que têm uma história de vida parecida com a sua, mas que não conseguem se aceitar devido ao preconceito, o que você diria?

Lely Ávilla – Não se deixem influenciar por críticas alheias. Mulher de cabelo crespo é linda SIM! Tentem se aceitar o máximo que puderem, porque não tem nada mais lindo que a liberdade e o orgulho de se mostrar de verdade.

  1. que menina LINDA. linda de imagem, linda de alma, linda de coração. e muito corajosa. parabéns pelas entrevistas sempre tão inspiradoras, Sabrina, e parabéns à entrevistada que é maravilhosa. beijão

  2. Jeell Silva says:

    Amiga tenho muito orgulho de vooc e minha admiracao pela sua coragem e pela pessoa qye vioc er sera eterna.

    Muito axe

  3. OI Sabrinah, faz um mês que acompanho seu blog no anonimato, rsrs. Hoje fiquei muito feliz em ver em seu blog o depoimento de uma conterrânea. Aqui em Feira de Santana existe um preconceito absurdo em torno dos crespos, eu bem sei o que é isso, sofrir muito na infância, alias, sofro até hoje aos 19 anos. Assumir meus crespos a pouco tempo, tive o apoio da minha tia, da minha irmã(que està natural também) e do meu marido. Muitas vezes me odiei por ter o cabelo crespo,hoje me sinto linda.

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