É impressionante a capacidade que publicitários, em pleno século XXI, tem de reproduzir a cultura machista em propagandas que fazem um culto ao patriarcado e depreciam as mulheres como seres humano e também como consumidoras. Será que eles desconhecem que as mulheres também compram carros e segundo o IBGE são maioria no país, ou isso não conta? Assisti recentemente a propaganda nova da Peugeot e confesso que estava até gostando no início, até chegar ao desfecho final.

Para quem não assistiu, o vídeo faz uma alusão ao desenho dos anos 70, Corrida Maluca, onde o motorista do Peugeot se apresenta como um dos participantes desta disputa, juntamente com os demais personagens, que contam apenas com uma mulher, a ‘Penélope Charmosa’ (não quero discutir aqui o contexto machista explícito no próprio desenho).

O motorista da Peugeot, que obviamente carrega o estereótipo do que a mídia acredita ser ‘homem bem sucedido’, vai vencendo um a um todos participantes da corrida, até que aparentemente ela acaba. Fiquei curiosa porque ele ainda não tinha derrotado a Penélope. E logo pensei: mas e a Penélope? Mas o final surpreendente esclareceu a minha dúvida. Isso, porque o homem bem sucedido e vitorioso, dirigindo o novo Peugeot, deixa a corrida e vai em busca de seu troféu.

Agora, adivinha o que era o troféu? Ou melhor, quem era? A Penélope, claro. Charmosa, vestida de rosa ( enaltecendo o gênero?) e esperando pelo campeão para salvá-la ( o destino de toda donzela), pois como não teve competência para dirigir, o carro pifou, claro. E no mais, ela não é uma igual para disputar a corrida com o vencedor, assim como disputaram todos os outros personagens do desenho. Ela possui apenas a única qualidade que deveria ter: ser bonita. E por isso, além de café com leite , ela é o prêmio, “a suprema recompensa”, como citou Simone de Beauvoir em o segundo sexo.

” Ela é uma forma exterior que ele pode possuir em sua carne, sua própria apoteose(…) mas é a si mesmo que ele possui quando aperta nos braços o ser que lhe resume o mundo e a quem impôs seus valores e leis (…) A mulher é o outro em que o sujeito se supera sem ser limitado, que ele se opõe sem o negar. Ela é o outro que se deixa anexar sem deixar de ser o outro. Desse modo ela é tão necessária à alegria do homem e ao seu triunfo”.

É como a própria façanha do cavalheiro ou príncipe que acompanhamos desde os contos de fada até os filmes mais atuais, onde a mulher se apresenta como secundária, não uma medida de valores universalmente reconhecido ( citando novamente Beauvoir), mas uma revelação dos seus próprios méritos. Um objeto para reforçar os seus valores, uma questão de autoafirmação aos olhos do individualista. Aos olhos dos outros, apenas suas qualidades práticas são avaliadas, sendo assim, apenas a mulher consegue confirmar sua verdadeira essência: se consegue ser atraente, sedutor, valente…

Ela age como uma espécie de espelho de narciso que reflete e exalta suas características pessoais e lhe agrega uma importância que supera o mundo a sua volta, tornado-o o senhor único do universo, um deus, um rei sol, um soberano absoluto, acima do bem e do mal, mas que ainda assim, sem seu reflexo, não sobrevive.

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