Pombos pós-modernos são audaciosos. Não dão passagem. Você bate o pé e eles te encaram cheios de si, como se te desafiassem: – quero ver você me tirar daqui! E ainda arrulham com imponência, para mostrar que são os verdadeiros donos do pedaço, e que há tempos migraram da categoria ‘praga urbana’ para se tornarem parte da paisagem paulistana. Antinatural é não avistar um pombo na cidade.
Horas atrás, tomando um cappuccino em um desses cafés que ficam dentro de galerias, na Rua Augusta, tive uma companhia indesejada, mas que não passou despercebida.

O pombo negro, assim que me avistou, fez um voo rasante entre um toldo e outro e prostrou-se aos meus pés, ali embaixo da mesa. Seus olhinhos vermelhos e esbugalhados, já acostumados com a poluição da cidade, me enfrentaram quando bati os pés no chão para espantá-lo. Se fosse um cachorro eu poderia jurar que tinha avançado. Deu um arrulho nervoso, como um típico paulistano, e levantou as asas, como se fosse voar, em tom provocativo. Foi quando percebi que era eu é quem estava invadindo o espaço dele, e não ao contrário. Para marcar território ele continuou atravessando os toldos com imponência, em movimentos circunféricos de vai e vem, me olhando de esguelha, além de mirar todas as entradas do piso acimentado, em busca de detritos perdidos.
De repente me lembrei, que quando criança, meus pais haviam me ensinado a espantar os pombos batendo os pés, e este truque sempre funcionava, mesmo com minha pequena estatura. Penso que os pombos pós-modernos possuem uma arrogância que não havia nos pombos que revoaram a minha infância. Eles não só aprenderam a conviver com os seres humanos, mas também a zombar deles. Conquistaram definitivamente o seu espaço e lutam por ele não apenas com os parceiros consanguíneos, na disputa por migalhas, mas também com os trausentes. Absorveram nosso modo hostil e violento de andar. Herdaram até nosso mau humor. E deixaram de ser símbolos da paz para se tornarem símbolos da hostilidade. São verdadeiros marcos dos nossos tempos.

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